História da Praça Mauá
Na Vila de Água Doce havia uma menina, a Bianca, que apreciava chupar ovos de galinha crus. Ovos recém recolhidos, quentinhos ainda, do macio do ninho eram solenemente furados e chupados. A menina apreciava chupar os ovos recém botados, tudo ao som do canto frustrado da poedeira de plantão. Minha mãe, a dona Francisca, que nunca tinha visto coisa igual, ficou impressionada com o assunto e perguntou: “Aonde já se viu uma coisa dessas? Uma menina tão nova já bebendo ovos crus e quentes? Com quem será que ela aprendeu isso?... Como é possível? Seria uma prova da reencarnação?” A comadre Poisé, uma velha e ignorante amiga da minha mãe que estava ali perto e não entendeu o raciocínio da dona Francisca, perguntou: “Reencarnação de gente ou de gambá, comadre?”. Mas isto é uma outra história.
O meu irmão mais velho, o João, tinha ido morar no Rio de Janeiro, mas na hora de arrumar o primeiro emprego precisou de alguns documentos, autorização dos pais, porque era menor, atestados escolares e outras bobagens legais. O certo é que o meu irmão esperava ansioso na cidade estranha e distante por aqueles documentos fundamentais. Os documentos foram providenciados pela dona Francisca. Ela foi ao cartório da Vila e falou com o Juiz de paz, botou os papéis num envelope pardo e enviou tudo através do Euzébio, um motorista de caminhão muito religioso que sempre estava levando sacas de café para o Rio de Janeiro.
Porém, por um grande azar de todos nós, os documentos perderam-se inexplicavelmente. Minha mãe logo se pôs a rezar e a chorar bastante. Depois de alguns dias, porém, os documentos foram encontrados atrás do prédio “A Noite”, sede da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, e finalmente chegaram pelo correio às mãos do destinatário que estava esperando em Barra do Piraí. Alguma alma carioca bondosa os encontrara e botara o envelope no correio. Deus lhe pague! Minha mãe, que já tinha rezado muito para São Sebastião, o padroeiro da Vila de Água Doce, rezou mais ainda para agradecer pelo milagre conseguido. Encontrar os documentos teria sido um milagre de São Sebastião ? Não, certamente que não. Foi sinal de pouca vergonha mesmo. Explico. Anos mais tarde, vim a descobrir que no local em que os documentos foram perdidos, e posteriormente encontrados, funcionava a zona do meretrício, a gandaia geral e similar do Rio de Janeiro, a Praça Mauá famosa.
O portador da carta, o senhor Euzébio —religioso e honesto morador da Vila de Água Doce—, quem diria, aproveitara-se da distancia segura em que se encontrava da esposa e dos filhos e fora lá para afogar o ganso —um antigo e nunca suspeitado ganso. E a minha mãe, coitada, pensando que fosse um milagre de São Sebastião!
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