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Artigos-->Discriminação contra a Mulher -- 22/06/2003 - 23:41 (Domingos Oliveira Medeiros) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


A VÍRGULA E SUA LUTA CONTA A DISCRIMINAÇÃO

(Domingos Oliveira Medeiros)





Já passava da meia noite quando perdi o sono. E nestas horas não adianta fazer nada. A não ser esperar. Levantei-me da cama e fui até o quarto onde fica meu pequeno escritório. Passei os olhos pelos livros e não achei nada que interessasse. Resolvi então sentar-me um pouco.



De repente aquela coisa pequena, mirrada, apareceu em cima da escrivaninha. Aproximei-me para olhar com mais atenção. Parecia um sinal. Era um sinal. Um sinal de pontuação; mais precisamente uma vírgula. E ela gesticulava como que querendo me dizer alguma coisa. Cheguei mais perto e consegui ouvir. A vírgula também perdera o sono e queria alguém para trocar algumas idéias. Apresentou-se como sendo o presidente de uma espécie de ONG voltada para o trato de questões que envolviam o uso e o abuso da pontuação, com ênfase na vírgula.



Achei o caso interessante. E começamos o diálogo. Perguntei o porquê daquela associação. Como foi fundada, como funcionava, qual seria sua missão, seus objetivos, enfim, estas coisas de sempre. E a vírgula fez uma expressão de quem já esperava por aquelas perguntas. Perguntas que lhe dariam a chance de falar sobre um tema que gostava e que dominava bastante. Tive a sensação de que essa conversa iria render alguma satisfação, além de servir para passar o tempo enquanto o sono não chegasse. Uma maneira de unir o útil ao agradável, como dizem.



A vírgula tomou a palavra e começou sua explanação dizendo que durante muito tempo vem acompanhando o preconceito que existe em relação aos sinais de pontuação, mais especificamente em relação à vírgula. E continuou dizendo que ia delimitar o assunto em torno da vírgula a fim de torná-lo mais compreensível. Concordei com ela. E assim fomos nos entendendo.



Na verdade, até escritores famosos costumam agir de forma preconceituosa em relação à vírgula. E outros não levam muito a sério o seu emprego correto. Dizem que não têm tempo e que, na maioria dos casos, quando surgem as dúvidas, preferem não colocar a vírgula para errar menos. E alguns profissionais, como é o caso dos jornalistas, alegam que este problema é da competência dos revisores, que são pagos prá isso. E que eles se preocupam em usar a vírgula apenas nos casos em que o fato torne evidente a alteração do sentido que se pretendia dar ao texto.



Por um instante passou-me pela cabeça a idéia de que talvez estivéssemos diante de mais um tipo de machismo contra as mulheres. Desta vez contra a vírgula. Um machismo do tipo ortográfico, sei lá. O fato é que em relação aos homens, no caso o ponto, não existe tanta polêmica. O ponto é sempre usado, de maneira automática e racional, sem contestação. Ele é empregado, fundamentalmente, para indicar o término de uma oração declarativa, seja ela absoluta ou derradeira de um período composto. E quando há um encadeamento de períodos (simples ou compostos) pelos pensamentos que expressam, sucedendo-se uns aos outros, na mesma linha, também usa-se o ponto, desta feita com a denominação de ponto simples.



E o ponto tem sido utilizado, ainda, pelos escritores modernos, no lugar onde os antigos poriam o ponto-e-vírgula. É mais uma invasão do ponto no espaço feminino.

E não pára por aí. É grande o aproveitamento do ponto em detrimento da vírgula. Usa-se os dois-pontos, por exemplo, para marcar, na escrita, uma sensível suspensão da voz na melodia de uma frase não concluída. Não satisfeitos com os dois-pontos, criaram os três pontos, na horizontal, as chamadas reticências, com função bastante parecida. Isto poderia ser considerado, sob o meu ponto de vista, verdadeiro nepotismo. Empregar parentes para fazer, praticamente, a mesma coisa.



E o privilégio toma conotações assombrosas quando verificamos que até o ponto de interrogação tem um pontinho logo em baixo. E o ponto de exclamação, idem. Sobra muito pouco emprego para a vírgula que, em alguns casos, é até facultativa, o que demonstra o descaso e o desinteresse pelas vírgula, incentivando seu desuso.



Até mesmo no caso de ponto-e-vírgula, sinal que serve de intermediário entre o ponto e a vírgula, o ponto tem que estar junto. Neste sinal, quando a aproximação é mais para o ponto, segundo os valores pausais e melódicos que representa no texto, chama-se ponto reduzido. E, ao contrário, quando a aproximação se dá mais em relação à vírgula, chama-se vírgula alongada.



E assim nossa conversa fluía pela madrugada a dentro. Com o intuito de provocar a discussão, fiz-lhe uma indagação um pouco maliciosa. Perguntei à vírgula como a Organização via os casos de escritores que, apesar de não fazerem uso correto da vírgula, por qualquer motivo - de ordem material, pressa, ansiedade, enfim -, tinham excelentes idéias e seus escritos transmitiam profundidade de raciocínio e alto conteúdo criativo. Enquanto outros, a despeito de observarem rigorosamente a correta aplicação dos sinais de pontuação, seus textos não se faziam profundos nem criativos, e em alguns casos não apresentavam qualquer valor literário. E em outros casos, apesar da sinalização correta, eram inintelegíveis devido ao alto grau de prolixidade.



A vírgula pensou um pouco e reconheceu que todos os exemplos relacionados realmente aconteciam, mas que não prejudicavam o uso correto da linguagem, posto que se limitavam ao campo das exceções. Além do mais, ditas exceções são passíveis de correção. No caso do jornalista, por exemplo, o revisor impede o mau uso e, de igual modo, no caso do escritor, a editora não deixa por menos. Mas o problema existe, e precisa ser tratado com rigor.



O ideal continua sendo a observância do uso correto de nossa língua, pois o uso incorreto sempre deixa margem para desconfianças e denigre a imagem de pessoas e empresas que se utilizam da palavra escrita. O uso incorreto da vírgula, em proporções diminutas, até que dá para suportar. Quem nunca cometeu, aqui ou acolá, um escorregão? Mas se o conteúdo do texto é de boa qualidade, e desde que em pequenas proporções, sem alteração do sentido da frase, até que é suportável aquele cisco na vista.



O que não se pode aceitar, por exemplo, é o abuso indiscriminado. A indiferença generalizada e constante em relação ao uso incorreto da vírgula. Por analogia, seria como se estivéssemos diante de um muro bem branquinho, pichado em preto e vermelho, com garranchos indecifráveis. Verdadeira poluição visual. Não seria um texto digno de leitura. Do mesmo modo que uma pauta musical, já que estamos falando de melodia: uma nota colocada em lugar errado quebra a harmonia da canção. Soará ruim aos ouvidos.



O ideal é ser rigoroso. Até porque a língua integra o conceito de nacionalidade. É por intermédio da linguagem que nos comunicamos e nos afirmamos como Nação. E Nação, todos sabemos, é o agrupamento humano, mais ou menos numeroso, cujos membros, geralmente fixados num mesmo território, se ligam por laços históricos, culturais, econômicos e lingüísticos.



Assim, os que tiverem o talento inato da criatividade e das boas idéias, que façam um pequeno esforço adicional e aprimorem o conhecimento da língua pátria, posto que, sem sombra de dúvidas, tal fato só virá a enriquecer, ainda mais, sua produção literária, ampliando os recursos para expressar melhor suas idéias. Pode-se começar com um bom dicionário e uma boa gramática. E o tempo, dedicado à leitura e à escrita, encarregar-se-á de fazer o resto.



Neste instante, uma voz rouca, vinda não sei de onde, chamou pela vírgula. Era o ponto, seu marido, dizendo que o barulho o incomodava. E que ele precisaria dormir pois no outro dia teria que estar preparado para o trabalho. Que a gente encerrasse aquele bate-papo. E foi assim, obedecendo aos reclamos do maridão da vírgula, que colocamos mais um ponto final na história, e fomos dormir.





Domingos Oliveira Medeiros













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