Alguém já disse que todo adolescente é narcisista. Talvez a recíproca seja verdadeira: talvez todo narcisista seja adolescente.
A adolescência é a idade da afirmação da identidade: um adolescente é uma ex-criança que ainda não se tornou um adulto. A princípio ele não sabe ainda quem é: por isso precisa tanto da aprovação dos outros, por isso a chamada peer pressure, ou pressão do grupo é tão importante para eles.
Cada grupo de adolescentes, em festa ou não, está debatendo pontos de vista existenciais. Cada adolescente está firmando sua própria imagem vendo-a refletida no olho dos outros. Por isso, para um adolescente o outro é -- muito mais do que no adulto -- quem o define.
Apesar de muitos adolescentes serem negativistas, ou supostos contestadores, ele estão, na verdade, reagindo a uma imagem que se faz deles. O problema é, um tanto, qual é o espelho que os reflete e, na verdade, esse espelho é também criação dele mesmo. Por exemplo, um adolescente que se tenha em baixa conta vai criar um oponente no outro. Que vai reagir, de fato, como quem o reprove.
E assim, nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.
Fernando Pessoa, Autopsicografia
Este texto já se desviou o suficiente do tema de seu título. O que se considera aqui é que muito do livro Lolita, de Vladimir Nabokov, gira em torno da questão da indentidade. Por exemplo, em um momento Humbert Humbert, o narrador do livro, diz que para Lolita, ele era "apenas um músculo intumescido e um par de olhos". Isto é: à procura de sua identidade, Lolita, "criança-mulher" segundo o narrador, relacionava-se com Humbert Humbert também pelo par de olhos.
Uma das formas de Humbert Humbert seduzir Lolita foi através do olhar. Claro que também sua boa aparência, simpatia e facilidade de se relacionar ajudaram. Sem falar em pequenos toques, pequenas palavras. Mas sua curiosidade, mostrada pelo olhar, foi o que provocou a vontade de Lolita se mostrar, que a levou a cena de sedução, onde se pode perguntar quem seduziu, quem foi seduzido?
Outro fato importante do livro é o de que seu autor, Vladimir Nabokov, ter podido usar a linguagem do romance para falar de sentimentos muito sujos que, em um grau menor ou maior, estão em cada homem. E talvez até em todo mamífero: dizem que cada mamífero tem programação genética para torná-lo um protetor de todos filhotes de sua raça. Afinal, filhotes de mamífero são muito mais frágeis do que filhotes de outros gêneros. Assim, todos mamíferos terminam por achar bonitinhos os filhotes ou os exemplares mais novos; pessoas mais sexualizadas somam o afeto ao interesse sexual.
Com as luvas cirúrgicas do romancista, Nabokov fala com profundidade da psiquê torta de Humbert Humbert. Psiquê que não é totalmente distinta da sua própria psiquê, nem da psiquê do leitor médio. Vladimir Nabokov usa assim a narrativa como um espelho, para aproximá-lo e afastá-lo de Humbert Humbert. Com o que ele aumenta o conhecimento que ele tem de si mesmo. E, por levar o leitor a situações extremas e antes impensadas, faz com que o próprio leitor conheça mais seus limites.
