A velha tia havia lhe dado um monitor em desuso. O aparelho estava em péssimo estado de conservação...onde diabos ela arruma tanta quinquilharia? Resolveu colocá-lo à venda.
- Sempre há quem queira! - afirmou uma amiga.
Joana estava certa. No mesmo dia da publicação nos classificados de um jornal, o telefone tocou. As especificações foram dadas, o preço combinado e acertado o negócio para o sábado seguinte às quinze horas. Após o almoço, Marcos recebeu um telefonema da amiga, recomendando-lhe alguns cuidados.
- Você vai deixar o rapaz subir? - perguntou.
- Acho que sim... Por que?
- Ah, sei lá! Essa violência toda... Por que você não desce na portaria?
- Mas não vai dar no mesmo? Depois que entrar no prédio...
- Bem...isso é verdade!... Você quer que eu vá até aí? A gente podia combinar alguma coisa... um código... sei lá!
- Como assim?
- Depois que ele chegar, eu dou um tempo e ligo lá pra baixo. Se houver algum problema,você diz uma palavra-chave e eu tomo alguma providência...
O rapaz concordou, ainda que julgando tudo aquilo desnecessário. A espera o obrigaria a ficar em casa e a companhia da amiga tornaria as coisas mais agradáveis. Não contava, no entanto, com o fato de o comprador se atrasar tanto. Foram pra varanda, a impaciência crescendo na tarde fria.
- Pô, Joana, que merda de sábado! Vamos ficar quanto tempo esperando esse cara?
- Olha lá! Tem dois homens do outro lado da rua...Acho que vão atravessar!
Os rapazes vieram em direção ao prédio. Estavam vacilantes e descuidados na aparência. O interfone pôs-se a tocar...
- Puta que pariu!... O negócio tá mesmo estranho! Finge que não tem ninguém em casa! Depois explico que não deu pra esperar...
- Mas o porteiro me viu subir!... Desça e não se esqueça de que o código é falar meu nome errado. Não é melhor levar uma sacola para que possam transportar o monitor? - Joana ponderou.
- Ah, não! É só o que faltava...Deixa eu ir logo!
Após algum tempo decorrido, Joana interfonou pra portaria. Marcos atendeu:
- Marlene! Eu vou subir só pra pegar uma sacola...
As pernas da menina perderam a firmeza. Trêmula, pôs-se a falar sozinha.
- Ah, Meu Deus! Ele me chamou de Marlene... O que é que eu faço agora? Qual é mesmo o telefone da polícia?...
Os dedos tremiam... Precisou discar várias vezes até que a chamada se completasse. A voz estava embargada quando lhe retornaram do outro lado da linha.
- Alô, por favor, preciso de ajuda! Tem ladrão aqui no prédio...Meu amigo está rendido!
- Calma, minha senhora! Qual é o endereço?
Enquanto fornecia os dados, a situação de Joana tornou-se mais grave... A campainha pôs-se a tocar e ante a ausência de resposta, começaram a bater na porta insistentemente.
- Por favor! - disse ao policial que a atendia - já estão aqui na porta!... E agora?... Eles vão...
- Minha senhora! Tenha um pouquinho de paciência... Já mandei uma patrulha pro local e vou pedir mais reforço. Fique na linha! Vá me expondo alguma anormalidade...
Tudo parecia durar uma eternidade... Foi quando Joana escutou:
- Abra! É a polícia!...Pode abrir agora...
A moça encaminhou-se para a porta, sabe-se Deus como...Pelo olho-mágico verificou que os policiais estavam mesmo lá, uns fardados, outros não... A balbúrdia era total e avistou o seu amigo, pálido e assustado, tentando explicar o acontecido.
- Pô, Joana! O que é que você fez? Eu só subi pra pegar uma saco...
- Você falou a senha...
- Mas a senha era pra ser usada se estivesse tudo bem!
- Não! Você entendeu errado... Era pra dizer que você estava em perigo!
- Que é isso!... Não foi assim que...
Os policiais entraram e deram uma vasculhada no apartamento. Eram muitos...Alguns deles,à paisana, pareciam uns rambos, escopetas nas mãos.
- Essas combinações não dão certo!... Vocês conseguem imaginar como a gente vem pra uma operação dessas? A adrenalina fica a mil! Acabamos de descer de um morro...
- Desculpa, vai!... É que eu fiquei nervosa... Realmente foi mancada nossa! Se a gente pudesse voltar atrás... E os rapazes?
Um policial fardado, o mais gorducho deles, disse com ar bonachão:
- Vocês deviam pedir desculpas pros meninos... São pessoas simples e levaram a maior dura...
- É claro! Vou lá embaixo pedir pra eles subirem. Certamente vão querer pouco d água - disse o pretenso vendedor.
- Vocês vão ter que assinar a folha de ocorrência antes da gente ir embora! E vamos ter que apreender a mercadoria...- largou o policial.
Tudo resolvido, os rapazes tentavam se acalmar na cozinha, quando Joana chamou o amigo na sala.
- Ai, que situação! Coitados... Não é melhor levarmos os caras em casa? Afinal...
- Por favor, Joana! Não inventa...
- Mas é injusto isso!...
Foram todos para o carro. O casal de amigos estava constrangido, e não parava de se desculpar...
- Onde é mesmo que vocês moram? - perguntou Marcos ligando a ignição.
- Bangu... - respondeu um deles. Sabem chegar lá?
- Vocês ajudando, a gente consegue! - Joana tentava parecer espirituosa...
A Avenida Brasil parecia cada vez mais longa e escura, a chuva fina encobrindo o para- brisas.
- Onde fica essa porra de lugar chamado Bangu, que não chega nunca? - pensava o motorista.
- Vocês gostam de morar em Bangu? - Joana insistia em parecer simpática...
- Ali praticamente não tem nada... só a igreja que a gente freqüenta.
- Ah, vocês são crentes?
- Nossas famílias são... Somos vizinhos e de tanto elas insistirem pra gente ir aos cultos, acabamos aprendendo alguma coisa... - disse o sujeito próximo à janela esquerda.
- A acreditar em Deus?
- Não! Que viemos do pó e ao pó iremos retornar...
Um frio percorreu a espinha de Marcos e Joana começou a se inquietar. A voz proveniente do banco de trás soava estranha e reticente.Mas não poderia haver perigo, pois a polícia os havia revistado... Foi quando Marcos pensou no momento em que haviam se afastado da cozinha, ele e a amiga, para conversar.
- Quem sabe haviam...
A faca reluziu próximo ao pescoço de Marcos e Joana ainda arriscou outra pergunta imbecil: