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Humor-->Índio Italiano -- 16/02/2007 - 10:30 (Jader Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Índio Italiano

O Mário da banca de jornal levou um susto quando soube que o Índio morrera de repente. Ainda ontem ele estava na praça, passara de manhã a caminho da padaria e parecia estar bem, disse-me o tricolor fanático. Mas a vida é assim mesmo e a morte também. Tudo acontece de repente, quando menos se espera. Se fosse de outro jeito não teria graça, aliás haveria muitos sustos diários e temores anuais permanentes. O Paulo Radial já tinha partido havia pouco tempo e o povo da praça estava esperto, preparado, na expectativa de momentos imprevistos. Os corações andavam em baticum acelerado, os diabéticos crônicos entraram em plantão permanente, ficaram todos alertas, renovaram os estoques de sivastatina, glimbenclamida e insulina. A bruxa andava solta e era bom se prevenir. Não era meu amigo de carteirinha mas fui ao velório do Índio para conferir.
Depois eu achei que não devia ter ido lá, jamais vi coisa mais triste. A torcida presente era pouca e “à favor”. Pela primeira vez eu via uma torcida a favor do defunto. O salão estava deserto, poucos, pouquíssimos mesmo, foram ao enterro. Os presentes ficavam à distância e não havia aquela habitual turminha do amassa, uma turma que ama o morto de verdade e fica rezando o terço, grudada no falecido, amassando, chorando lágrimas de esguicho.
Cheguei mais perto do morto e estranhei que ele se parecesse tanto com uma raiz de mandioca solta, sozinha no interior de uma caixa de feira. Alguma coisa estava errada, faltava algo. Os defuntos geralmente ficam bonitos, parecem bolos enfeitados, bem fixos no centro, emoldurados em um tipo de massa americana, filó macio, panos brancos apropriados, o nariz empinado, mas o meu amigo Índio estava mal. Fiquei curioso, pesquisei e descobri o que se passava ali. O caixão fora oferta da reserva municipal, de terceira categoria, faltavam flores em volta do falecido, faltava a habitual tristeza dos parentes, não havia velas nem castiçais dourados —essas coisas que dão vida ao velório. É o que sempre digo: Já vi gente chorar pela morte de alguém, mas nunca vi alguém morrer junto, em solidariedade ao defunto...
A que horas sairia o enterro? “Três”, foi o que me respondeu com um gesto a viúva, apenas levantando os dedos com uma preguiça danada. Não disse palavra. Na outra mão ela segurava o celular e conversava com alguém à distância, talvez contando uma piada. Na sala enorme não havia mais do que oito pessoas. Decidi não ficar até o fim. Se os parentes não prestigiavam o Índio, não seria eu quem iria fazê-lo. Antes das três horas, o caixão já foi fechado. Queriam livrar-se daquele peso o mais rápido possível. Se não me engano, parece que ouvi o espoucar de alguns fogos Caramuru nas imediações do bairro do Belém. Quem carregou o caixão do infeliz para a cova me contou que, algo como uma raiz de mandioca, fazia barulho lá dentro. Talvez fosse o movimento do corpo rijo e solto no interior da enorme caixa de madeira sem forração. Faltava cetim, sobrava defunto.
Tenho quase certeza de que a família do morto torceu muito para que aquela raiz, maniva da brava, não brotasse e viesse a produzir frutos iguais e semelhantes ao Índio. A cidade não merece. Nem eu, muito menos o Mário da banca de jornal.

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