O BONECO
POR ROOSEVELT VIEIRA LEITE
Amaral e Florinda era um casal estável. Cada um tinha sua rotina de trabalho. Em casa, eles dividiam as responsabilidades. Discutiam muito pouco, conversavam muito, e sorriam bastante. Amaral era eletricista e Florinda enfermeira. Eles moravam em Campos. Eles moravam de aluguel, mas, depois de muito trabalho e economia puderam comprar um lugar só para eles. A nova casa tinha dois quartos, sala, cozinha, dois banheiros, área de serviço e um amplo quintal. Na frente da residência havia um jardim muito bonito cheio de rosas e grama verde. Florinda gostava de cuidar do jardim nas horas vagas, e Amaral plantava hortaliças no quintal. Os dias passavam e o casal nem percebia assim era o envolvimento de ambos com a nova casa. Com o tempo o casal se sentiu sozinho. Faltava alguma coisa para completar a felicidade. A casa pequena parecia enorme. Então o casal decidiu ter um filho. A gravidez de Florinda foi um pouco problemática. Por duas vezes ela quase abortava, teve sangramentos e outras complicações. Seu marido estava sempre a seu lado e fazia todos os seus mimos. Quando o menino nasceu teve de ir para a incubadeira pois a criança teve complicações respiratórias. O casal preocupado fez uma promessa para as almas. Tereza amiga de Florinda lhe disse que as almas cuidariam de seu filho: “Mulher, peça para as almas cuidarem de seu menino. As boas almas são tiro e queda”. Florinda um tanto hesitante fez a promessa dizendo que se seu filho escapasse, ela o entregaria para as boas almas. A criança ficou boa e foi para casa.
Marcelo, agora era a grande alegria da casa. A criança pouco chorava e sorria muito para sua mãe. Seus primeiros meses fizeram o casal dividir tarefas. Uma noite era Florinda, a outra era Amaral. Logo o casal se adaptou à nova realidade e seguiram suas vidas com o pequeno anjo. Certa noite, Florinda acorda com um estranho barulho vindo do quarto de Marcelo. Era uma canção de ninar. Florinda vai até o quarto e encontra seu menino sentado no berço sorrindo alegremente. A mãe da criança então mima seu filho e volta a dormir. O mesmo fato passou a se repetir todas as noites sempre as três da manhã. Tanto Amaral como Florinda ouviam a canção que vinha de lugar desconhecido. Os dois então resolvem fazer plantão no quarto de Marcelo.
Nos dias que passaram de plantão nada aconteceu. E nos dias seguintes a canção cessou. O casal entendeu que podia ser apenas a imaginação de ambos e esqueceram o ocorrido.
Quando Marcelo fez um ano algo muito estranho aconteceu. O menino estava sentado à mesa com seus pais quando de repente ele revira os olhos como se estivesse passando mal. Por alguns instantes Amaral e Florinda pensaram que havia algo errado com a criança.
Os anos que se seguiram foram anos de benções. Marcelo crescia, virava uma criança forte, inteligente e muito socializável. Todos queriam ver e conversar com ele. Marcelo tinha muitos amiguinhos da escola que reversavam em sua casa de segunda a segunda. Sempre tinha uma criança com ele. Seu pai e sua mãe estavam felizes com o filho e não sabiam como agradecer a Deus por tanta benção. Foi numa quarta-feira, quando Marcelo tinha completado sete anos que algo muito triste aconteceu. Marcelo e seu coleguinha Ribeiro brincavam no quintal da casa quando um acidente aconteceu. Marcelo empurrou o amigo que caiu de costas e bateu a cabeça numa pedra e faleceu. Isso chocou a Campos. “Era só brincadeira” dizia Marcelo para seus pais. A polícia entendeu que Marcelo não teve a intenção de matar o amigo e deu o caso por encerrado. Mas, os pais de Ribeiro não aceitaram a ideia e por meses perturbaram o casal Florinda e Amaral: “Seu filho é um assassino”.
A mãe de Ribeiro não se conformou com a morte do filho e fez magia negra contra a criança. Marcelo começou a definhar. O menino emagreceu ficando pele e osso. Sua mãe não entendia o que estava a acontecer e levava o filho ao médico que não fazia a menor ideia do que ocorria com o menino. Tereza, então, diz a Florinda que em Campos tinha um homem que entendia de magia e podia fazer alguma coisa por Marcelo. O feiticeiro deu o diagnóstico: “É magia”. Florinda apavorada perguntou-lhe sobre o que fazer. O homem sugeriu fazer uma outra magia. Amaral e Florinda levaram o filho para a tenda do bruxo que prontamente fez a contra magia. Marcelo reagiu e em sete dias ganhou peso e voltou ao normal. Finalmente a felicidade voltou para casa. Marcelo voltou a ir para a escola e seus pais agradeciam a Deus pela benção de seu filho.
Mas, a alegria durou pouco. Depois que eles usaram a magia do bruxo a casa passou a ser assombrada. O casal via vultos e ouvia vozes vindo de todos os cantos da casa. Marcelo acordava de noite assustado e chamava os pais que não sabiam o que fazer:
- E agora Amaral o que vamos fazer?
- Eu não sei meu amor. Respondeu o homem com dor na voz.
- A casa está assombrada. Disse Florinda com ar certeza.
- É, só pode ser isso. Concordou seu esposo. Depois de muita conversa Tereza sugere chamar o pessoal do movimento carismático da igreja. Foram feitas várias reuniões. Os vultos e as vozes pararam e Marcelo voltou a dormir tranquilo. Com o tempo tudo foi esquecido.
Depois destas coisas Marcelo não era o mesmo. O menino se transformou numa criança reservada sem muitos colegas e sem muita conversa. Seus pais perceberam, mas, pensaram ser coisa da idade. “É Marcelo está crescendo e ficando um garoto tímido”. Isso era o que pensava o casal que agora levava a vida de vento em popa. Numa noite de muita chuva e trovão Florinda teve um sonho. O sonho mostrava que sete pessoas entravam em sua casa e levavam seu filho embora. Florinda acordou assustada, contudo, ela pensou que só era um sonho:
- Amaral ontem eu sonhei que levavam Marcelo embora. Disse Florinda com um tom engraçado.
- É, depois, de tanta coisa só falta isso agora. Respondeu Amaral sorrindo.
- Graças a Deus nosso filho está bem. Sabia que sua professora disse que ele é muito sabido. Entende tudo e aprende com facilidade. O casal cresceu financeiramente. Amaral foi promovido ao cargo de eletricista chefe e Florinda foi ser enfermeira no centro cirúrgico de Campos. A família aquele ano fez uma viagem para gramado. Passaram três dias na cidade. Tiraram fotos e visitaram pontos turísticos. Não havia mais nada com que se preocupar. A vida voltou a sorrir para o casal.
Quanto mais o tempo passava mais a obsessão de Florinda crescia pelo filho. Ela estava atenta a todas as coisas que envolvia seu filho. A comida, a roupa, a higiene do menino era tudo cuidadosamente observado e provido. O garoto não dava um passo sem que ela não olhasse. Mas, em uma noite de muita chuva o menino foi visitado pelas almas. As almas vieram e o levaram embora. No outro dia de manhã, na hora do café, Florinda foi ao seu quarto para acordá-lo e ele não estava mais em casa. Os pais chamaram a polícia que em vão procurou pelo garoto de nove anos. Amaral e Florinda ficaram desolados. Florinda entrou em depressão por dois longos anos. Os remédios de nada serviam. Todos os dias ela ia ao quarto de Marcelo na esperança de encontrá-lo. Amaral vendo a situação de sua esposa decidiu comprar um boneco grande e colocá-lo na cama do menino. No outro dia, de manhã cedo, Florinda encontra o boneco. Sua alegria foi tanta que ela nem comeu aquele dia. Florinda passou a cuidar do boneco como se fosse seu filho. “A paz voltou ao lar” pensou Amaral...
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