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Contos-->O HOMEM DE DEUS -- 13/03/2024 - 09:53 (Roosevelt Vieira Leite) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

O HOMEM DE DEUS

POR ROOSEVELT VIEIRA LEITE

 

- Não perca a esperança e a fé em Deus. No final de tudo veremos que os humilhados serão exaltados.

- Sinto-me melhor. Depois que nós conversamos tudo clareou na minha mente. Obrigada!

- Não precisa agradecer. Não fiz mais que minha obrigação. Ademais, você é uma boa mulher.

- Não sei como agradecer. Jesus te pague o bem que me fizestes. Os dois se despediram. Dona Jossiana foi para casa e Figueredo continuou no seu ponto de pregação. Figueredo era um religioso que levava a Bíblia a sério. Ele a lia todos os dias. Decorava seus versículos, e depois ia para rua pregar o evangelho. Figueredo era aposentado e viúvo. A aposentadoria veio primeiro, dois anos depois sua mulher Maria de Valença morreu de mal súbito deixando seu marido na solidão. O casal não teve filhos, então, a partida de dona Maria deixou um vazio enorme na vida de Figueredo. Contudo, o homem preenchia esse buraco com orações e jejuns. Figueredo na visão da Igreja era um homem santo:

- Figueredo é um servo de Deus dona Flor. Ontem ele pregou na praça e três pessoas se converteram.

- E foi? O homem é um homem de Deus. Que pena o rapaz está sozinho assim.

- Mas, já, já ele arranja uma outra costela!

- Mas, rapaz! Um velho daquele! A conversa fluiu por mais uns minutos. Os dois debateram a viabilidade de Figueredo se casar de novo. Os 69 anos do pregador era um fardo que ele tinha de carregar segundo os interlocutores.

Figueredo era natural de Rainha dos Anjos. O pequeno povoado foi o berço de criação do pregador. Lá ele aprendeu a profissão do pai que era vaqueiro e se tornou em um homem positivo e honesto. Ninguém em Campos podia dizer nada sobre ele. Sua vida era um livro aberto e aprovado.

O ponto de pregação de Figueredo era na Avenida Sete de Junho, a principal avenida de Campos. Ele gostava de ficar defronte a Zé Bacateiro, um negociante de picolé muito conhecido na cidade. Ali com um microfone e uma caixa de som ele passava as manhãs de plantão para a salvação dos campenses. Certa noite, o homem teve uma vidência. Ele via uma moça muito bonita se aproximar dele e perguntar: “O que devo fazer para ser salva?” Ao ouvir a pergunta, o pregador muito se alegrou e passou a expor as escrituras para a jovem de vinte e seis anos. Na sua vidência, a moça abria a boca bem arregalada e de dentro saía uma ovelha bem branquinha. No final da vidência, os dois saem de mãos dadas e vão para um pasto bem verde. Figueredo se assustou com a vidência. Todos os dias ele prestava bem a atenção se aparecia no ponto de pregação alguma moça branca, de cabelos castanhos, e olhos esverdeados com a idade do sonho. Mas, nada acontecia, Figueredo continuou seu ministério e se esqueceu do sonho.

Uma bela segunda-feira, dia dos Pretos Velhos, Figueredo estava em seu ponto de pregação. Ele estava falando sobre a maravilhosa volta de Jesus. Uma jovem branca de cabelos claros e olhos também claros se aproxima dele e lhe pergunta: “Moço, isso vai acontecer mesmo?” Figueredo ajeitou a gravata e responde: “Tão certo como o sol brilha agora”. A moça olha nos olhos do velho ancião e lhe diz: “Então eu quero ser salva”. Figueredo orou por ela e encomendou sua alma a Cristo: “Venha visitar a nossa igreja. Fica aqui mesmo na sete de junho”. A moça disse que iria para a igreja, se despediu e sumiu no meio da multidão da feira livre de Campos.

A moça que atendia pelo nome de Tânia começou a frequentar a igreja do pregador Figueredo. A menina não faltava um culto. Quando tinha dúvidas perguntava a Figueredo que prontamente a atendia. O Pastor Raimundo Nonato estava alegre com os novos membros da igreja que Figueredo conquistou nas ruas: “Vamos orar pelo irmão Figueredo para que ele continue com essa fé inabalável”. Figueredo era, também, professor da escola dominical. E foi aí que sua amizade com Tânia cresceu. A moça fazia muitas perguntas, tinha muitas dúvidas, e todas as questões Figueredo respondia com o livro santo: “A Bíblia é nossa regra de fé e prática”. Dizia o pregador para seus alunos.

O tempo passou, Figueredo e Tânia se tornaram grandes amigos além de irmãos de fé. Tânia havia se casado seis anos atrás, contudo, o casamento não vingou. Seu marido a deixou por outra o que provocou muito sofrimento para a moça. Tânia ficou com uma questão na mente. Ela indagava em sua alma o porquê que Deus criou o homem e este se tornou tão mau. Ela alegava que seu ex marido a tratou como uma zé ninguém, como se fosse um mero objeto descartável. Isso a incomodava o espírito todas as vezes que a pobre moça ia dormir. Por vezes sonhara com ele e todas as vezes ele era o algoz do seu sofrimento. A amizade com Figueredo trouxe alento para a pobre criatura de Campos. Os dois conversavam sobre tudo e isso a confortava. Certa feita, ela o indaga assim: “Se o homem é a imagem de Deus, por que ele é mau?” Figueredo a explicou que o mal veio em decorrência da queda do homem. Para ele Adão e Eva falharam em obedecer a Deus e isso foi transmitido para toda a humanidade:

- O pecado entrou no mundo por Adão. E a partir desse evento todos ficaram maus.

- Mas, não é justo isso. O que tenho a ver com Adão?

- Para Deus ele era o cabeça da raça humana e então seus descendentes herdaram a tendência para o erro.

- Mas como um valor moral pode ser transmitido geneticamente? Indagou a moça.

- Nós separamos o corpo da alma. Para Deus alma e corpo são interligados. Muitas doenças são transmitidas pela alma. Primeiro a alma adoece depois o corpo também. Então a propensão para o pecado foi do mesmo jeito. Mesmo com as sabias palavras de Figueredo a moça continuava com dúvidas.

As implacáveis horas do tempo passaram. A amizade de Figueredo e Tânia cresceu. A moça começou a frequentar a casa do pregador. A principio ela ia com algumas irmãs para orar, mas, depois, devido a uma forte febre que Figueredo teve ela começou a ir sozinha. A moça questionadora ficou preocupada com a saúde de seu mestre. Com o tempo virou rotineira a visita de Tânia à casa de Figueredo. O povo da igreja, em particular, as mulheres idosas começaram a maldar a moça e foram alertar o pregador sobre a aparência do mal: “Não pode uma moça solteira ficar assim na sua casa Figueredo!” O pregador ficou triste e a moça também. O casal de amigos deixou de se ver por um tempo, no entanto, o desejo de ajudar, o prazer em ensinar as escrituras pegaram Figueredo e o homem tornou a receber a moça em sua residência.

- Eu não devia fazer isso, mas, a causa é justa. Disse Figueredo com semblante de alegria.

- Deixa o povo falar Figueredo. Estou com minha consciência tranquila.

- Mas, o problema não é nossa consciência. É a do povo que maldou nossa relação.

- Você já é crescido, e eu, também, então vamos aproveitar a benção de Deus. Tânia nunca havia olhada o homem Figueredo. Nesse dia, a moça viu quão bem afeiçoado era o velho ancião pregador. Um coroa esbelto, de cabelos grisalhos que combinavam com sua cor morena clara. Para as mulheres de Campos Figueredo era um homem muito bonito.

O senhor tempo não deu trégua. O tempo passou e os dois passaram a se ver regularmente toda segunda feira. As irmãs carolas da igreja fizeram ponto na rua de Figueredo para verem a moça entrar em sua casa. A igreja logo se escandalizou com Figueredo. O pastor Raimundo teve de tomar providências:

- O que existe entre o irmão e moça nova convertida? Perguntou o pastor folheando a Bíblia.

- Nada pastor. Temos apenas uma simpatia e o amor em Cristo. A moça Tânia tem estudado as escrituras e se tornado uma conhecedora dos caminhos do Senhor.

- Mas, o irmão mora só, e receber uma mulher solteira, ou ex casada em sua casa tem provocado muita maledicência na igreja. É preciso parar isso. A conversa rendeu até ao ponto de Figueredo ser ameaçado de disciplina pelo pastor. Muito triste Figueredo telefona para Tânia. Os dois conversam e decidem se afastarem.

Figueredo pensava que estava pronto para se afastar de Tânia. O primeiro mês eles se comunicaram pelo telefone. Ela e ele ligavam um para o outro. Tânia sempre com questões teológicas e Figueredo sempre sendo o guru da moça. As ligações foram muitas. Quando ela não ligava era ele que fazia isso. Os dois em enfim mantinham contato todos os dias:

- A ressurreição dos mortos vai acontecer mesmo Figueredo? Perguntou Tânia cheia de dúvidas. Figueredo coça a garganta e responde.

- Se houver um átomo de nosso corpo na cova, ele ressuscitará. Assim diz a palavra de Deus.

- Eu aprendi quando criança que essa ressurreição, na verdade, é a reencarnação. Eu já te falei que minha família é Espírita?

- Não há reencarnação na Bíblia. Rebateu Figueredo. As conversas eram longas ao telefone. Os dois estavam definitivamente conectados. Mas, foi no retiro de carnaval que a coisa ficou mais séria. Todos os anos a igreja ia passar o carnaval na fazenda São José. Esta era uma propriedade muito grande com dois casarões e uma capela. A propriedade era antiga; dizem que era da época da escravidão. O pastor gostava de ir com os crentes para lá passar o feriado de carnaval. Em São José, no alto da serra do cavalo, Tânia e Figueredo se beijaram. O homem foi orar à tarde no alto da serra e Tânia furtivamente o seguiu. Lá em cima, ela o abraçou e o beijou dizendo: “Puxa, como gosto de você!” Isso detonou uma bomba no coração do velho pregador. Ele não esperava que isso acontecesse, mas, no íntimo, ele sentia também vontade de beijar a moça. A igreja viu quando os dois desceram da pequena serra do cavalo. O escândalo foi grande. Figueredo foi disciplinado e afastado da escola dominical. O homem ficou muito triste e saiu da igreja.

A vida de Figueredo fora da comunidade cristã não mudou muito. Aposentado ele dividia seu tempo com o estudo das escrituras e a pregação na Avenida Sete. As pessoas gostavam de ouvir Figueredo. Tânia ia para as pregações e depois o acompanhava até em casa. Tânia também saiu da igreja. Agora ela assistia seu amigo Figueredo nas pregações. O tempo não demorou até o pastor procurar novamente o pregador:

- Se o irmão tiver um pouco de amor a Jesus pare de pregar na avenida. Se afaste, pois, o povo está falando de vocês dois. Estão chamando vocês de casal de adúlteros e que o senhor, homem velho devia se dar o respeito e não namorar uma moça nova. Procure uma mulher de sua idade.

- Mas, eu não cometi nenhum ilícito. Eu não pequei com a moça, além do mais nós só somos amigos.

- Pois, se afaste dela de uma vez por todas porque a cidade está falando de vocês.

- Eu não sou adultero! Eu não sou adultero! Disse o pregador indignado. Depois da conversa do pastor, Figueredo adoeceu. Caiu de cama. Tânia ia servi-lo todos os dias. A febre e a moleza tomaram de conta do velho pregador. Tânia preocupada chamou o Dr. Eurípedes. O diagnóstico foi dado – tristeza profunda. Tânia cuidava dele com todo carinho e dizia ao seu ouvido: “Meu amigo fique bom logo!”

Os crentes propagaram por toda a comunidade local que Deus havia pesado a mão no ancião. Os comentários eram muitos. Todos tinham uma opinião: “Com Deus não se brinca!” “O pecado mata!” “Está vendo que velho safado!” Depois de dois longos e sofridos meses Figueredo recobra a saúde e decide voltar a morar no seu povoado de origem. Tânia foi com ele. Os dois de uma vez por todas assumiram o amor que sentiam e resolveram enfrentar a sociedade. Na casa de seus pais, nos fundos da casa, o pregador pôs um banquinho e algumas cadeiras e ali falava de Jesus sem se preocupar com religião ou teologia. Ele ensinava o amor de Cristo e orava pelas pessoas. O povo se sentia bem. Logo, ele passou a ser conhecido como rezador: “Vamos a casa do rezador Figueredo!” O povo de Rainha dos Anjos via um homem negro ao lado de Figueredo. Era um velhinho da cabeça branca. Muitas pessoas testemunharam que durante as orações a voz de Figueredo mudava e ele falava um português quebrado com voz cansada. Quando isso acontecia as pessoas tinham certeza de que era um Preto Velho...

 

 

 

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