Quantos já foram ver o futuro!
E o que virá?
Não sei,
mas procuro saber,
e sei que nada saberei,
porque o futuro
é um hoje que antecipei.
Como é triste tudo isto —
a sensação de escrever
inteligentemente.
Sobre o quê?
Sobre eu-mesmo,
que penso,
que existo.
Porque existo, penso?
Ou porque penso, existo?
Talvez não exista
e pense que exista.
E se o ser não é?
E se nunca foi?
Terrível ônibus que me revelou o segredo da energia — que traz o movimento,
o espaço,
o tempo,
o ser,
e a impressão disso tudo,
e Deus,
e o medo de Deus,
e a religião,
e o crime,
e o castigo.
O que é a energia?
É o absoluto, como sofisma.
Terei de morrer de fome,
nos próximos anos.
A energia criou a necessidade de energia,
mas não a vontade de ter energia,
mas não a previdência de ter energia.
Se o mundo fosse um campo de futebol,
estaria o pé quebrado
e a bola furada.
Ora, escrever em colunas ou escrever em linha, que importa? Nada tem valor para aqueles que procuram o valor.
Escrever para mim ou para o público — sempre haverá quem leia — ou o público ou mim, esse terrível mim que tenho em eu.
É o gasto inútil de papel e tinta — e caneta — cara caneta — que ganhei porque a inércia do choro exigiu que se cobrisse a caneta quebrada,
estragada pela inapetência dos que pensaram ter.
Terrível ilusão de mim mesmo,
estupenda visão amorosa — sentida — intelectualizada — da natureza,
que é mãe
e que é filha da mãe.
Tudo é disperso.
Tudo é amorfo.
Tudo nada é.
Apenas o desejo de esquecer.
Mais alguns anos
e tudo estará acabado.
Oh! terrível expectativa de um momento que é tudo para o nada que serei
e que nada é para o tudo, para a tremenda ilusão do tudo.
Se vale a pena mentir
para se ser feliz,
jamais mentirei para mim mesmo.
Se o equilíbrio é a arma
que o mundo não sabe enfrentar,
tentarei ser eu-mesmo,
que nada sou.
22.10.57.
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