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Teses_Monologos-->O IRAQUE, HOJE -- 21/07/2004 - 01:51 (Carlos Frederico Pereira da Silva Gama) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A mídia impressa e eletrônica, brasileira e internacional, dedica atualmente incontáveis laudas à figura há pouco semi-obscura do jordaniano Abu Zarqawi. Considerado o “número 1” da rede terrorista Al-Qaeda no Iraque “recém-soberano”, para muitos se tornou o inimigo a ser vencido, após a derrocada e captura de Saddam Hussein. Ele e seus comparsas seriam responsáveis pela extensa onda de violência que varre o (que sobrou do) país após a ocupação estadunidense, jogando sunitas contra xiitas, tornando-se condição permissiva para um possível “reinado do caos”. Tendo em mente que o Iraque, nas palavras de George W. Bush, somente há pouco foi “conquistado para o Império da Liberdade”, nada mais temerário do que a ação bárbara, desestabilizadora, do terrorismo islâmico da Al-Qaeda, transformando o país, além de um barril de pólvora, numa plataforma de treinamento para radicais, no momento em que os iraquianos vivem um doloroso “rito de passagem” rumo à democracia. Uma vez Saddam Hussein limitado às bravatas de tribunal, Abu Zarqawi seria, pois, a grande ameaça hodierna no Iraque.

Nos recônditos do argumento exposto acima, porém, residem um mal-ajambrado cinismo e uma farta dose de ironia. A grande ameaça para o Iraque chama-se George W. Bush, cuja decisão (diferindo de seu pai-presidente, uma década antes) de invadir o país para destronar Saddam abriu as portas para que o terrorismo islâmico lá se instalasse sem maiores atropelos. Numa profecia auto-realizável, o governo George W. Bush fez do Iraque o novo Afeganistão. O “governo provisório”, herdeiro da “Loya Jirga” iraquiana, conseguirá consolidar seu controle sobre extensas áreas do país ou ficará restrito a dois ou três bolsões e bunkers em Bagdá, essa é a pergunta que ecoa pela outrora capital do Califado Abássida.

Lembremos que a invasão foi “sustentada” a princípio pelo argumento falacioso das armas de destruição em massa. Quando integrantes do próprio governo Bush reconheceram ser insustentável este argumento, agregou-se o “fator Al-Qaeda”. Contatos da rede com Saddam seriam argumento mais que razoável para asfixiar no nascedouro um novo provável pólo da “guerra contra o Terror”. Como dantes, hoje abundam declarações de integrantes do governo estadunidense (Colin Powell, Condoleeza Rice, CIA etc) reconhecendo que tais contatos nunca existiram, ou foram grandemente improváveis. A Al-Qaeda não estava consolidada no Iraque, O país não era de fato um “pólo” do terrorismo islâmico. Ao menos, antes de Março de 2003.

Sem a invasão, é bastante improvável que Abu Zarqawi tivesse conseguido decuplicar o número de membros do grupo terrorista na região (enquanto, em nível mundial, a Al-Qaeda atingia a considerável marca de 60 mil adeptos, também multiplicados várias vezes em relação a patamares pré-conflito). Milicianos, nem todos ex-integrantes das forças armadas de Saddam, semeiam o caos com a complacência de líderes xiitas e sunitas, ambos irmanados no repúdio à presença dos “libertadores” ianques. As baixas estadunidenses no pós-guerra, surpresa das surpresas para os arautos da “vitória esmagadora” de 2003, já superam em monta as provocadas pelo próprio conflito. Um prato indigesto no cardápio eleitoral de 2004, fazendo-se necessário o condimento do terrorismo islâmico para abrandar os paladares votantes nos Estados Unidos. Junto à quase certa execução de Saddam após o circo midiático no tribunal (a primeira medida do governo provisório, após assinar 100 medidas referentes à sua própria “limitação de soberania” frente aos ocupantes estadunidenses, foi reintroduzir a pena capital), Abu Zarqawi é o prato principal nesse cínico, irônico banquete dos falcões neocons.

As dores hodiernas no Iraque não remontam a ritos de passagem rumo à maturidade política. Não se adquire maturidade política por concessão ou imposição. Adquire-se a exercendo. A resistência a um governo provisório títere de uma potência ocupante, capineado por um ex-agente da CIA e de 11 outras agências de inteligência ocidentais é um ato sobretudo político, uma rota alternativa de emancipação política frontalmente contrária à “imposição da democracia” tão prezada por estudiosos estadunidenses. A vitória avassaladora dos Estados Unidos no campo de batalha, confrontada com o atual desalento dos combates irregulares, indica que os iraquianos pouparam esforços e munição para o “segundo tempo” do jogo (especialmente os xiitas), sabedores de que o equilíbrio atroz instaurado por Saddam eram deveras frágil. Afinal, como dizia o poeta romano Ovídeo, até um pequeno esforço pode quebrar o que já está rachado (et minimae vires frangere quassa valent). Bush e falcões racharam o Iraque e os pedaços remanescentes se insurgem oportunamente contra sua “benevolência”, buscando ter em mãos o futuro político do país. Não confundamos os insurgentes iraquianos com a Al-Qaeda (embora, por razões táticas, em determinados contextos uma afinidade eletiva weberiana – oposição aos invasores – possa ter lugar).

Não se trata, enfim, de uma luta antidiluviana do Bem contra o Mal, tão ao gosto da estreiteza mental de tantos analistas (fundamentalistas) liberais mundo afora. Assim como Osama Bin Laden era a “onda do futuro” no Afeganistão em 1979, municiado pelos Estados Unidos para combater os soviéticos, Saddam Hussein foi, décadas atrás, o nome que freou o avanço da Revolução Iraniana com mal-disfarçado apoio do governo Reagan. Nas análises do Departamento de Estado, Saddam era o modelo ideal para um Oriente Médio laico, ocidentalizado, “seguro”, ainda que suas credenciais democráticas fossem crassas (algo que, no entanto, nunca incomodou os tomadores de decisão de Tio Sam, bem sabemos nós, latino-americanos). O que enterra de uma vez por todas o argumento de “ingerência humanitária” que teria movido os Estados Unidos a libertar os iraquianos de um ditador sanguinário. O que foi feito dos milhares de mortos dos expurgos baathistas dos anos 60, 70, 80 e 90? O que foi feito dos ataques químicos aos curdos, pré-Operação Tempestade no Deserto?

Como John Kerry promete jogar água na fervura de Bush no Iraque, ainda não sabemos. O jogo está apenas começando. E os iraquianos, ao que tudo indica, serão expectadores “participantes”, no mais dos casos. A menos que se alistem nas fileiras da resistência (ou de Abu Zarqawi), estarão prontos para sofrer a História, por não poder faze-la. Enquanto isso, no Ocidente, fechamos nossos “civilizados” olhos para Abu Ghraib, fornecendo motivação adicional para mais decapitações e ataques suicidas da Al-Qaeda. A profecia auto-realizável, qual o “moto contínuo” de Leonardo Da Vinci, segue a todo vapor.
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