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Contos-->Fatalidade (ou o dia em que conheci a cantora) -- 10/08/2001 - 14:21 (Luís Augusto Marcelino) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Tive uma grande paixão na vida: meu Diplomata 87, preto, bancos de couro (que mandei fazer), direção hidráulica, lataria impecável. Houve uma época que radicalizei. Não o tirava da garagem. Nem a pau! Uma vez, meu vizinho, o Clodoaldo, cortou o dedo e me pediu para levá-lo ao pronto socorro. Tá bom, eu levo! – eu disse. Ele estranhou que eu entrei em casa e, minutos depois, saí com a carteira na mão e sem as chaves do Diplomata.

- O que você está esperando? – ele perguntou.

- O táxi. Chamei um táxi.

Mas já não sou mais assim. Nos finais de semana o que mais gosto é de circular com o bichinho pelas ruas da cidade, especialmente da Zona Sul. Embora lá esteja a maior concentração de carros importados, todo mundo pára pra dar uma olhadinha pro meu carrão. No último sábado fui para as bandas do Ibirapuera. Quase dez da noite. Tudo congestionado, pra variar. Esta cidade vive congestionada, é um inferno. Não estou falando somente de congestionamento de carros. É de tudo mesmo. De pessoas, de ratos, de baratas. De camelôs. Deus me perdoe! Quando me preparava para entrar na República do Líbano, o pior aconteceu. Senti o toque violento na traseira do Rincon – que é o nome carinhoso do meu Diplomata. O barulho do impacto entrou pelos meus ouvidos e foi parar no meu peito, transformando-se num aperto demasiadamente assustador. Quase não reagi. Só tive força para puxar o freio de mão e encostar a testa no volante. Chorei. Solucei. Aquilo era uma maldade... como alguém tão desalmado teve coragem de bater no meu Rincon impiedosa e covardemente? Eu vinha a uns quarenta por hora, se muito, todo cauteloso, precavido, prestando atenção a todos os movimentos. Só pode ter sido por maldade. Ou imperícia.

- Ai, moço... Fala comigo, pelo amor de Cristo! Fala comigo, moço! Fala! O senhor se machucou?

Mal tive coragem de erguer a cabeça. Só respondi que comigo estava tudo bem. Tudo bem, assim... fisicamente. Porque o coração doía. Batia aceleradamente. Mas a voz adolescente continuava insistindo em ver meu rosto para ver se realmente nada tinha acontecido. Tocou-me. Senti a suavidade daquela mãozinha sobre o meu ombro. Ela tremia. Eu não reagia. Ela pegou o celular e pareceu ligar para os bombeiros. “Alguém, por favor, pode ajudar! Pelo amor de Deus!” O sotaque era de garota do interior. Parecia bem jovem, pela voz. Quando enfim tive coragem de me levantar, a vi de costas. Tinha o cabelo comprido, castanho-escuro, quase preto. Bem comprido, o cabelo. Vestia uma calça branca colada ao corpo esguio. Colada até chegar à altura das canelas. Depois o tecido se alargava, a tal ponto de parecer uma saia de boneca. Na parte de cima, uma blusa que exibia a maior parte das costas. Do ângulo que eu a apreciava, pareceu-me ser prateada essa blusa. Ela falava sem parar. Carros e pessoas começavam a se amontoar. Resolvi descer e olhar o estrago. Atrás do Rincon um lindo Golf prateado, ainda beijando sua traseira. Pára-choque, lanternas, ferrou tudo. Aí é que não me agüentei... De novo a mãozinha suave tocou em meu ombro. “O senhor está bem?” – perguntou-me com a voz trêmula.

- É você?...

Bem ali na minha frente, em carne, osso e alma, a musa dos adolescentes, trintões e quarentões. A obsessão das revistas masculinas do país. A nova namoradinha do Brasil. Virgenzinha, ali na minha frente, exalando um perfume adocicado e puro. Exibindo, depois de se acalmar, aquele sorriso aberto, completo, infantil.

- Sandy, é você mesma?

- Que bom que não sofreu nada...

- Estou ótimo. Quer dizer, um pouco tonto, mas não foi da batida. Acho que não foi. Meu Deus... é você mesma? Cadê o Júnior?

Ao sentir que meu estado físico estava perfeito. Apressou-se em me dar seu cartão com o número do telefone. As pessoas começavam a querer assediá-la. Ela prometeu que pagaria o conserto, e pediu mil desculpas, “sabe como é... dirijo a tão pouco tempo!” Foi-se.

. . .

- Alô! Por gentileza, queria falar com a Sandy!

- Quem quer falar?

- Aqui é o Marcelo. O rapaz do carro, da batida... ela não contou?

- Ah, sim! Como vai, Marcelo? Aqui é o Xororó.

- Muito prazer, seu Xororó. Desculpe estar incomodando. É a que a dona Sandy pediu para eu ligar. Mas não tem problema, posso telefonar outra hora.

- Não, espere! O senhor deixa o seu endereço que minha secretária providencia tudo, pode ficar sossegado.

- Não vou incomodar?



Dei-lhe o endereço. A secretária viria no dia seguinte, no máximo até as quatro da tarde. Encabulei-me de mencionar o orçamento. Na verdade, eu queria mesmo era falar com a Sandy. Só pra depois dizer para os amigos. Olhei o cartão. Tinha outro número. Um celular. Devia ter ligado para aquele outro número, que imbecil! Pegaria mal ligar de novo, dando uma de joão-sem-braço. Desejei que a secretária não viesse no dia marcado. Que pegasse um resfriado! Que furassem os quatro pneus do seu carro! Fui à garagem. Rincon repousava daquele pesadelo terrível. Pra dizer a verdade, depois de conhecer a Sandy, não dei muito mais atenção para o meu Diplomata. Parecia que tinha perdido metade do valor sentimental que eu nutria por ele. Pela primeira vez, depois de tantos anos, pensei em vendê-lo. “É muito velho!” – concluí. Por isso não tinha tido nenhuma chance com a jovem cantora. Em verdade, eu devia estar dirigindo um outro carro qualquer. Menos aquele. Aquela velharia. Me perdoa, Rincon. Mas agora não é mais a mesma coisa.

Quatro horas. Cinco. Seis e meia. Nem secretária, nem Chitãozinho, nem Xororó. Que merda! Tinha perdido a tarde. Desisti de esperar e fui para o bar. Uma cerveja, por favor! Bem gelada, que hoje estou puto, Dirceu! Expliquei ao dono do boteco e aos amigos que estava esperando a secretária particular do Xororó. Hã, hã... Uns riram. Outros aconselharam que eu parasse de beber. Dirceu era o único atento. Pareceu o único a acreditar. “E ela é bonitona mesmo, véio?” Claro que é – respondi. Linda. De morrer. De ficar de quatro. De se atirar do Viaduto do Chá e torcer para cair sobre o carro dela.

- E o Xororó, Marcelo, também é bonitão? – brincou o Nunes.

- Vai se foder, o Nunes...

Caçoaram, os meus amigos. Pedi outra cerveja. Mais uma, depois de algum tempo. A língua já estava quase enrolando, e eu tentando juntar provas do meu encontro com Sandy. Fui ao banheiro. Descarreguei o líquido acumulado e suspirei aliviado. O Dirceu nunca deixa um sabonete naquela merda! Nem toalha. Nem nada. Puta que o pariu, Dirceu! Vai ser mão de vaca assim lá longe! Não lavei as mãos. Ao voltar, dei de cara com Sandy e seus óculos escuros modernos. Abriu-me um sorriso. Você... – eu disse.
Correu em minha direção e me abraçou. Falou que estava feliz em me ver tão saudável.

- Vim trazer o cheque...

- Mas não era pra vir a secretária do seu pai?

- Era, mas preferi ver como estava. Não vai me convidar pra sentar?

Dirceu não se mexia. Nunes e os outros não sabiam bem o quê fazer. Um cutucava o outro. Vai lá e pega uma cadeira pra Sandy, animal! Senta aqui, Dona Sandy. Fica à vontade. Sovaco, ao seu dispor. Pedi para o Dirceu servir um refrigerante. Light, suponho – arrisquei. Que nada! Ela quis um conhaque. Conhaque? Essa não. Se o Xororó souber vai me matar! Tentamos conversar, mas os olhares dos curiosos não nos deixaram sossegados. Ela tomou um gole. Dois. Mais um. Começou a rir à toa. Eu abria a boca e ela ria. Vez ou outra me tocava. Uma hora pisou em meu pé. Seu celular tocou.

- Já vou, já vou...

Ela então desligou o aparelho e deu um grande suspiro. A essa hora, uns quinze moleques e molecas se acotovelavam na frente do bar. Mais as mães. Dirceu tinha ligado pra patroa e avisado que a Sandy estava em seu estabelecimento. Dona Laura espalhou para a vizinhança. Ameaçaram entrar para pedir autógrafo. Mas permaneceram lá. Ainda não tinham certeza de que era ela. Olhou-me por alguns segundos e pegou em minhas duas mãos. Bom te ver, Marcelo! Agora tenho que ir... Beijou-me levemente a boca e deixou seu perfume leve em meu rosto. Colocou os óculos escuros e caminhou lentamente rumo ao seu carro. Desta vez a criançada não se conteve. Começaram a gritar. Umas meninas mais histéricas choraram. Sandy acenou e abriu rapidamente a porta. Entrou. Ligou o carro e acendeu os faróis. Fui para a entrada do boteco. Ainda estava embebedado pelo beijo doce. Ela abriu o vidro elétrico.

- Da próxima vez, liga para o meu celular.

Sandy se foi. Já se passaram dois dias e ainda não tive coragem de ligar. Naquela noite ela tinha um show em Petrópolis. Quem telefonou foi seu empresário. Tava puto da vida. Ligo ou não ligo? Nem me deixou o cheque, a Sandy.

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