Usina de Letras
Usina de Letras
222 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62152 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10448)

Cronicas (22529)

Discursos (3238)

Ensaios - (10339)

Erótico (13567)

Frases (50554)

Humor (20023)

Infantil (5418)

Infanto Juvenil (4750)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140788)

Redação (3301)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1958)

Textos Religiosos/Sermões (6177)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Infanto_Juvenil-->A LENDA DA ROCHA DOS BORDÕES -- 28/08/2006 - 18:49 (José J Serpa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A LENDA DA ROCHA DOS BORDÕES
(Para entender melhor esta velha lenda, é melhor ter uma imagem visual da formação rochosa que lhe deu origem.
Pode ver uma foto da Rocha dos Bordões no meu blog ´http://picofaxial.blogspot.com )


No princípio a Rocha dos Bordões nem era rocha nem tinha bordões. Era uma caverna imensa onde se congregavam os seres primitivos e esquivos que viviam nas ribeiras e nos vales mais profundos da Ilha das Flores, antes da chegada dos primeiros povoadores.
Depois...
Bom... depois, com a chegada dos primeiros povoadores, tudo mudou.
E foi assim:

Foi nos primórdios da povoação, possivelmente quando o processo de fixação estava ainda na fase experimental. Onde quer que a falécia recuasse um pouco e deixasse um espaço mais ou menos plano, uma fajã acessível do mar onde se pudesse construir uma cabana e arrotear uma pouca de terra para a horta, a caravela dos exploradores lá deixava um grupinho de gente, uma família, talvez um solitário mais afoito. Uma manta, algumas ferramentas essenciais, umas sementes possíveis, talvez uma cabra ou um porquinho, e a promessa de regresso no ano seguinte. Era toda a riqueza e esperança de sobreviver daquela gente.
A Fajã de Lopo Vaz num recesso da Rocha Alta e a Fajã de Louco na margem esquerda da Ribeira do Campanário foram das primeiras a ser ocupadas na costa sul da ilha. A primeira, ainda hoje cultivada por gente das Lajes, ainda traz o nome do seu primitivo povoador. Da segunda já ninguém sabe quem foi o seu primeiro povoador, mas o nome que ainda tem sugere que ou já era louco quando lá chegou, ou enlouqueceu depois.
Contou-me um velho lajedense —e isto já lá vão largas dezenas de anos— que ouvira do seu bisavô a história seguinte.
As primeiras pessoas que parecem ter vindo para o que depois se chamou os Lajedos foram dois criados de Lopo Vaz. Certo vento norte trazia para a fajã daquele povoador o que parecia ser farrapos de vozes humanas, brados, gritos, e ele mandou explorar a costa naquele sentido.
O que se passou com os dois exploradores nunca se soube em pormenor, porque o batel em que navegavam desapareceu para sempre e com ele um dos seus ocupantes. O outro nunca mais voltou à Fajã de Lopo Vaz e viveu sozinho durante anos no local que ainda hoje se chama Fajã de Louco. Fizeram-se várias tentativas para o convencer a regressar, mas ele recusou-se sempre a qualquer contacto humano, expulsando à bordoada, se necessário fosse, os intrusos mais atrevidos.
Tinha o hábito de andar sempre a falar sozinho e de entabular com o seu bordão longos “diálogos” e discussões. Espetava o enorme cajado na terra enfiava-lhe o seu gorro de lã, e tinha com ele longas pelejas que chegavam por vezes a bofetões que atiravam com o gorro ao chão. E foi destas conversas e diálogos, ouvidos sem que ele desse por isso, que, aparentemente, se reconstituiu o pouco que se soube da traumática experiência de que ele tinha sido vítima.

O contacto entre os dois criados de Lopo Vaz e os primitivos habitantes da Ilha das Flores deu-se por alturas duma ribeira que hoje traz o nome de Ribeira da Lapa. Eram seres agigantados, ariscos e grotescos que se deslocavam sempre apoiados a um enorme bordão e trocavam entre si grunhidos, gritos e brados com que se entendiam. Os dois exploradores foram capturados, atados de pés e mãos, e içados ribeira fora até a uma enorme gruta, a que o Louco chamava a Lapa e onde os Cambados se acoitavam. Cambados era o nome que o Louco dava àqueles mostrengos primevos cuja fisionomia nunca foi possível reconstituir inteiramente, mas que deviam ser muito peludos porque o Louco, além de cambados, também lhes chamava lanzudos.
Chegados à Lapa, os dois exploradores terão ficado à mercê da curiosidade daqueles gigantescos bugios. Despiram-nos, aparentemente espantados pela sua falta de pelagem, apalparam-nos, cheiraram-nos, lamberam-nos... Beliscavam-nos, passando-os de uns para os outros... gritando-lhes, grunhindo-lhes, dando-lhes safanões... Claro que, devido à grande desigualdade física, até as carícias feitas por aqueles monstros resultariam em sevícias e maus tratos para os pobres humanos.
A outra característica daqueles seres primitivos, o uso generalizado de enormes bordões, parece sugerir a possibilidade de pertencerem a uma espécie pré-humana que ainda não tinha atingido plenamente a condição de erectus. Além do seu uso normal, como instrumento de marcha, luta e caça, utilizavam também os bordões para expressar as emoções, ao bater com a ponta no solo. O Louco, nos seus monólogos referia-se com frequência àquele bater de bordões em grupo como uma das experiências mais aterradoras da sua captura, “batuque infernal... a terra fumava... as nuvens derretiam-se” as paredes da caverna vibravam e ameaçavam ruir...

Satisfeita a curiosidade imediata do pequeno grupo que os tinha capturado os dois prisioneiros foram confinados a um recesso seguro da caverna e foram-se a pouco e pouco libertando do estado de choque que os tinha entorpecido de corpo e espírito. Começaram a comunicar, um com o outro, por gestos e olhares e a procurar uma fuga possível para se escapulirem da imensa espelunca e das mãos daqueles monstros. Mas o pior estava para vir.
Chegou de fora, espavorido, um que aparentemente tinha estado de atalaia, a chamar os outros por gesto e grunhidos. Acodem todos de roldão para a entrada da caverna. Obviamente apavorados repetiam, de bordão no ar, pum-pum, pum-pum, som que aparentemente identificava o motivo de todo aquele pânico. Os dois prisioneiros aproveitaram aquela barafunda para se chegaram também à boca da caverna e viram duas ou três velas, pertinho da costa, em vagares de quem anda a espiá-la. O efeito da presença dos navios em baixo na enseada era tremendo. Os cambados aterrorizados puseram-se a bater com os bordões no solo e a repetir num alarido ensurdecedor pum-pum, pum-pum! O alarme foi logo ouvido por muitos outros daqueles mostrengos que começaram a afluir à Lapa. Pum-pum, pum-pum repetiam em pânico à medida que entravam e procuravam refúgio no interior da enorme caverna. Com efeito, foram disparados do mar alguns tiros inúteis, dada a distância a que estavam os navios, mas que sugeriam experiências anteriores em que os pobres diabos teriam sido vitimados.
Os cativos afastaram-se para um recesso lateral da enorme furna, para não serem espezinhados, e começaram a preparar-se para se safar porta fora logo que tivessem uma brecha. Só então notaram que a porta ia ficando cada vez mais pequena. É que, ao entrarem, os Cambados encostavam os seus bordões à entrada, tapando o acesso ao imenso antro. Os bordões iam ficando encostados de maneira tão compacta que, não só cerravam efectivamente a entrada mas até tapavam totalmente a entrada da luz. O primeiro a ter consciência do que se estava passando foi o Louco que agarrando o companheiro por um braço se atirou pela última réstia de luz que ainda restava onde antes fora a enorme abertura da caverna. Tarde de mais. O último cambado a entrar separou-os ao entrepor entre eles o seu bordão que fechou definitivamente a última brecha da entrada.
O Louco ainda gritou pelo companheiro e tentou até empurrar o último bordão para lhe abrir passagem para a liberdade. Esforço vão. Os bordões estavam tão petrificados como ainda hoje estão e o Louco, tomado duma profunda ansiedade apalpou-se duvidoso de que ele próprio tivesse sido transformado em rocha. Tacteou de novo os bordões que lhe pareceram agora imensamente maiores do que dantes, gigantescos, descomunais.
O que se passou depois ninguém sabe. Durante gerações, as pessoas que passavam perto da Rocha dos Bordões ouviam no seu interior ruídos, como se andassem a bater por dentro na rocha. Alguns até ouviam gritos e brados que pareciam vir do interior da rocha, mas os mais sisudos diziam que aquilo era o eco das passadas de quem lá passava ou o eco de vozes meramente humanas.
Seja como for, é uma linda lenda da nossa Ilha das Flores, que é preciso recontar para que não se perca de todo.






Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui