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Cronicas-->Crónica Antilhana -- 08/02/2010 - 13:34 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Andava pelas ruas de St Maarten, ( assim mesmo que se escreve--são duas partes na ilha, uma é francesa, a maior parte, outra a holandesa, a menor) no sol quente e metálico que tostava minha pele até o mais fundo de meus ossos. Lembrei dos livros de Hemingway que sabia como ninguém descrever o clima caribenho, até porque morou até o final de seus dias em Cuba, onde existe uma casa sua preservada; recordei o andar das mulatas que na ilha de Fidel são mais curvilíneas e as da Antilha Holandesa são maciças, gigantescas, o que parece ser um tipo de beleza admirada no local, até porque os americanos que vêm em enxames passear pelas joalherias de ouro e pedras preciosas são igualmente volumosos. Os homens têm um andar típico, sacolejado, malemolente, com ares de indolência e preguiça e sorriso insolente no rosto quando fitados cara a cara. Meu maior pecado é olhar muito as pessoas, tentar identificar nelas traços em comum. Notei que todas as mulheres que trabalham ralham com seus companheiros asperamente, geralmente à luz do dia e que os homens que trabalham o fazem com rostos doloridos, culposos até.

Quem anda por St Maarten não pode se impressionar com os contrastes violentos entre a opulência dos iates e a pobreza das habitações em pleno centro da cidade, no caso Philipsburg, onde esgotos a céu aberto convivem com ruas de ostentação e negociações intermináveis. Não é incomum se deparar com comerciantes indianos perseguindo clientes que se negam a pagar o primeiro preço pela mercadoria que eles exibem em vistosas vitrines duty-free. Quem anda pelas ruas não deve se importar com os diversos cheiros das comidas picantes, desde as lagostas que eles exibem vivas diante do apreciador em tanques de vidro como se fossem aquários, nem com as bebidas fortes que causam tonturas ao primeiro gole.

Tenho mania de fotografar e fixei as lentes da máquina recém-comprada numa pequena igreja que já é um postal da ilha, dotado de todos os meus talentos artísticos e de toda a benevolência do mundo, quando uma voz vociferou bem ao lado esquerdo de minha cabeça, num inglês que misturava dialeto local com francês:

--Motherfucker!

Entendi a grosso modo que ele não havia me autorizado a fotografá-lo só porque eu o desejava; decerto quereria direitos autorais de imagem. Tinha grande estatura, uma barba longa espichada e dura de sujeira, os cabelos à moda Rastafari espalhados em grandes cachos pelos ombros e cobrindo parte de seus olhos e testa. Um companheiro seu disse que eu apagasse as fotos e eu o fiz, uma das vantagens que a máquina digital tem sobre as outras analógicas, apesar de que os puristas as preferem pela sua maior maleabilidade em criar com as imagens. Percebi que a coisa ia engrossar porque de maneira nada religiosa os impropérios reverberavam na cúpula da pequena igreja sem que alguém se dignasse a lhes chamar a atenção.

Fui então a uma loja, onde ao perfume exalado pelas loções, fragràncias, cremes, poções, pós de rosto e maquiagens se confundia com a beleza das vendedoras. Uma delas se aproximou ao me notar alarmado e tratou de dizer em inglês com forte acento:

--Dont worry. Crazy man.

Ela falava mal o inglês, eu arranhava bem um espanhol, daí foi por este lado que eu descobri que ela vinha de Sào Domingos, a República Dominicana e também fiquei sabendo por ela que muitas pessoas de vários países trabalham lá: De Cuba, Nicarágua, Venezuela, França, Holanda, Haiti... Jamaica... Na verdade, um verdadeiro caldo cultural de serviçais e vendedores e garçons e perfumistas. De sorte que nos entendemos e ela tinha um lindo sorriso de marfim que eu percebi com segundas intenções, qual o quê: são os dentes profissionais que seduzem os incautos; saí de lá livre do malfeitor que fora embora e livre de uma boa carga de dólares por conta de pequenos artigos e grandes perfumes que ela me vendeu a preço de ouro e veja você, tudo para satisfazer algumas de minhas amigas que estavam hospedadas ali por perto mas àquela hora ainda não haviam levantado pois eram muito preguiçosas e preferiam dormir até mais tarde ao maravilhoso sol que escancarava as faces de topázio do mar caribenho aos primeiros fulgores da manhã.

As joalherias cravejadas de pedras da região, de topázios e ametistas imensas, sempre cheias de americanos, europeus, todos de narizes vermelhos e envoltos na neblina do álcool ou de olhos perdidos no calor inclemente do sol de prata espiando do céu azul sem nuvens. Não vi ninguém lá que não estivesse ou bebendo ou alterado; os que menos vi assim eram os indianos, centrados, convincentes e de olhos fixos na clientela espalhada pelas suas lojas de artigos eletrónicos, de perfumes importados, roupas exóticas ou jóias. Nas lojas de bebida havia outros senhores e mais chineses trabalhando em seus mercados de mil coisas. St Maarten é uma Babel desmiolada e quem vive em cidades com trànsito ruim não se espanta com as filas de carros. De dez automóveis que você olha, nove são diferentes entre si. Milhares de marcas desconhecidas e montanhas de carros inúteis jogados às pencas na beira de desmanches. Mil línguas se entrecruzam, milhares de vozes se misturam quando um navio grande desembarca no porto imenso, coalhado de iates de enorme envergadura.

Caribe, esta usina de belezas. A imagem que guardei foi a das águas vivas de noite fazendo as estrelas brotarem no meio do mar, em um conjunto qual galáxia em movinento reforçada pelas ondas suaves. St Maarten das aeronaves pousando, do vento das turbinas arrancando roupas de turistas desavisados. St Maarten dos chapados loucos, do grito de parada nas vans que circulam a dois dólares, St Maarten do sorvete e do mau humor dos atendentes.

--Motherfucker yoyo man.

Um dialeto incompreensível, um andar de molecagem, as moças quase ocultas nas sombras... A música caribenha enchendo os ouvidos de quem passava, por toda a parte, os guardas de roupas claras, as européias de seios de fora nas praias onde sabiam-se ilesas. As brasileiras boquiabertas, que lugar é este meu deus, as pedras nas encostas batidas pelo vento e pelas ondas verde-esmeralda.

--YoYo Man.
--Motherfucker.
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