A narrativa moderna é fragmentada. Cada vez mais fragmentada. Na forma. E também no conteúdo. Não é apenas a sintaxe que se quebra, reinventa-se, autogera-se, implode-se e explode em fogos. As idéias dentro dos textos rebelam-se contra não se sabe que autoridade. Depois da invenção - ou descoberta? - da técnica do fluxo de consciência, o que passou a ser a escrita? Escritura. Escritura antes de ser escrita e para sempre congelada na escrita até que alguém reconte o que se escreveu e o transforme em reescrito. Texto é tecido? Era. Agora é colcha de retalhos com costura frágil e cheia de rasgos, remendos, rasgos, remendos, rasgos tremendos. A poesia não é mais o poema e talvez nunca tenha sido. A prosa não tem mais conversa e é papo para poucos letrados.
Aqui há um parágrafo. Porque alguém assim o quis. Não que ele, o parágrafo, seja mesmo necessário. Não sei se mudamos de assunto. Nem sei se existem assuntos. Sobre o que é o texto? Sobre ele mesmo sempre. Texto, contexto, pretexto, autotexto, altertexto. Agora é sempre assim: a história não pode mais ser contada. Já foi. Já era! Não nos sobra, nós que aqui escrevemos e por vós esperamos, não nos sobra mais o referente-mundo. Que mundo? Onde está o mundo? Aqui ou lá? Dentro ou fora? Em cima ou embaixo? Em cima como embaixo? Em baixa. Embaixada de qual país? Honduras? Hotel? Hostess. Aqui termina o parágrafo. Porque deus Quis assim. Assim mesmo: "d"eus e "Q"uis. Porque, aqui, assim Eu quis.
Cànones já foram descanonizados. Faz tempo. No século XX, no começo dele, a fragmentação do texto era por força do contexto. Conteste se quiser. Em 1917, escrever sobre o mundo era antever a bomba atómica que já estava sendo gerada. Começo, meio e fim deixaram de existir como pontos separados numa linha contínua. Comeio, comfim, fimeio, cofimeio. A máquina, o cinema, o carro, a guerra, a liberdade falaciosa do indivíduo. O escritor não conseguia mais escrever romances romànticos. Não podia mais contar histórias. Precisava que o papel mostrasse ao mundo o que havia na mente sensível do artista. Caos?
Pobres moços modernistas... Ah se soubessem o que nós sabemos e vivemos. Caos? Ainda não havia para eles Rita Lee, Ritalina, cantigas natalinas em praças de alimentação de shopping. A bomba atómica explode hoje em dia e todo dia e o dia todo nas ruas com trànsito intransitivo que impede a mocinha de chegar ao encontro de amor. Explode na batida policial que revista inocentes cheios de culpa. Explode nos chips e memórias dos computadores que insistem em perder drivers e de-éle-éles sem nos contar o que isso quer dizer, mas deixando o prejuízo do tempo perdido - sem direito a madeleines - para aqueles que, como eu, querem escrever, contar uma história, no papel virtual que é a tela de Liquid Cristal. Como não? A história se liquidifica, vira suco, aquela água, escorre pela mesa, molha o chão e pingapingapinga, meio ácida, na cabeça careca do homem que vende seguros no andar de baixo.
Como não ser fragmentado, se tudo que é, é atormentado, interrompido, prostituído, Ã s vezes drogado sem querer por conservantes químicos e aromas artificiais de fumaça? A vida é um descontinuum. O texto continua a descontinuidade da vida. Nunca mais escreverei Paulo e Virgínia. Paulo foi sequestrado. Virgínia suicidou-se. É o caos googleano. 359.000.001 resultados para "Google" na barra do Google. Se eu fosse um dadaísta, diria que, se você não entendeu, problema seu. Cadê Tzara?
* Publicitário e professor de língua portuguesa. Ainda não pirou, mas conversa com a máquina do estacionamento do shopping. |