Fitas o líquido vermelho
que se esvai de tuas veias
e borbulha na garrafa.
Logo morres.
A garrafa vive.
Através dos tempos,
oferecerão a garrafa em sacrifício
e tua memória será lentamente imolada.
Quando eles estiverem à mesa,
bêbados,
e partirem em mil pedaços a garrafa,
será ela quem ressuscitará no terceiro dia.
Ao lado do Pai,
ébria como todos os santos,
a garrafa se divertirá com tua ausência.
Acolhida no manto rasgado da tua mãe
que abandonaste na miséria
para sair mundo afora
espalhando sandices,
a garrafa dormirá entre carinhos.
E quando invocarem em vão o teu nome
– quem és tu, já nem se lembram –,
a garrafa, séria,
estará olhando em silêncio o estranho ritual.
Ao perceber que tudo está terminado,
ela tomará a frente do povo,
gritará impropérios absurdos
e dará luz a milhares de abençoadas
garrafinhas.
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