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Artigos-->A Estética na Obra de Arte e o Engajamento da Literatura -- 17/06/2001 - 19:57 (Magno Antonio Correia de Mello) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Ontem à noite, colhido por uma noite insone, terminei assistindo a um filme de ficção científica de quinta categoria, que me permitiu algumas reflexões bastante interessantes. Não cheguei a descobrir o nome da “obra-prima”, mas posso adiantar o enredo: tratava-se da história de dois marinheiros que, colhidos por uma experiência militar no navio em que serviam durante a segunda guerra (1943), vão parar num futuro remoto: o ano de 1984, aquele mesmo do famoso romance de George Orwell.



Desnecessário dizer o quanto se deslumbram os dois marujos, arremessados a uma realidade tão futurista. Embasbacam-se com um aparelho de televisão ainda sustentado por aqueles dispositivos que se vêem nos filmes muito antigos, em que o pobre telespectador tinha de ter a pachorra se aproximar para mudar o canal ou suportar anos a fio a mesma programação; admiram-se com um carro de câmbio automático; assustam-se com uma daquelas maquininhas infernais dos bares de estrada norte-americanos, em que se coloca uma ficha e se escolhe a música; espantam-se com a praticidade dos telefones de então, imaginem, com teclados, ainda que cheios de fios...



Certamente não é uma obra que se recomende às novas gerações de cineastas, para que apreendam os segredos da sétima arte, o que não lhe tira o mérito de permitir que se constate o quanto é perigoso datar alguma coisa que se pretenda criar, na sétima ou nas demais artes. Em 2001, ainda não estamos passando o fim de semana em Marte, como acreditavam Kubrick e Clark, mas não se pode deixar de registrar o quanto soam ridículas as “maravilhas” tecnológicas retratadas no filmete. São só dezessete anos, que me soaram como se eu estivesse vendo retratados a família Flintstone e seus extravagantes eletrodomésticos na telinha.



Tudo isso me vem a propósito de esclarecer o título deste pequeno artigo. Certa feita mantive, se não me engano com o Espírito Santo (ou Pai Nosso, ou Jesus Cristo, ou Ave Maria, ou Cruz Credo, não sei ao certo), uma alentada troca de e-mails, em que, além de acusar meus escritos de “metalingüísticos”, o policialesco ativista alcunhava-me de parnasiano, porque, na sua concepção, ao pretender descolar meus textos de seu sentido literal, estava eu defendendo a tal da “arte pela arte”, isto é, eu havia adotado uma opção esteticista.



Nada do que escrevo merece que eu perca algum minuto que seja em sua defesa, admito, mas não posso deixar de achar muito divertidas as ponderações do meu ilustre amigo. Ainda que ele pense o contrário, literatura não é história, não é política, não é jornalismo, não obstante esses campos do conhecimento humano – e muitos outros, diga-se – ocasionalmente dela se sirvam, de forma suja ou legítima. Ocorre que o traço de independência da literatura, ao contrário dos outros ramos citados, da literatura séria, bem entendido, e que a distingue de um simples panfleto partidário, é que ela deve ter compromisso com a permanência, e só se poderá dizer que presta quando puder ser lida muito depois de escrita.



Não que isso ocasione alguma limitação temática ou de propósitos, mas é evidente que de certa forma faz, sim, uma grande diferença. Vejam-se dois exemplos em dois escritores de pensamento político oposto, capazes de demonstrar, por isso mesmo, a validade da assertiva. Comunista que chegou ao cárcere no Estado Novo, Graciliano Ramos ainda hoje pode ser visto como um gênio, por ter retratado, em “Vidas Secas”, não a seca, mas a secura. Conservador até a última medula em termos políticos, Guimarães Rosa revolucionou a literatura, não por desmontar a língua – o que seria, afinal, a tal opção “esteticista” – mas por espelhar, com exatidão de ourives, os sertões em que se embrenha a alma humana, sem nunca ter datado qualquer dos monumentos que redigiu durante a vida. A precisão geográfica que o caracteriza era o empenho de um anatomista, desvendando cada córrego ou riacho onde se esconde a complexidade da mente.



Aqueles que tiverem a necessária paciência para percorrer as poucas peças de ficção que já produzi (uma coleção de contos e um pequeno drama) hão de dar ao autor o crédito de ser atemporal: chamem-nos (a mim, aos contos e à peça) de fraquinhos, mas não se os acuse de terem sido escritos em mil novecentos e tanto e de terem perdido a validade em mil novecentos e depois. A princípio, isso se devia à desesperança do autor, que não fazia a menor idéia de quando seria lido – hoje posso afirmar, sem cair na parábola da raposa e das uvas, que essa característica se deve a uma verdadeira convicção de vida.



Enfim, é mesmo como o poeta maior dizia: mesmo que o material literário sirva de deleite para sociólogos, antropólogos, visionários ou demiurgos, ainda que venha a ser utilizado em sermões religiosos ou em pronunciamentos políticos, não vale a pena correr o risco de ser moderno. É melhor continuar tentando a eternidade, ainda que – como provavelmente se dará no meu caso – ela nunca venha a ser atingida.

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