O brasileiro Cristiano viajava no navio Eugênio, de Lisboa a Buenos Aires, em companhia de um casal argentino: Schneider, militar, e sua esposa, Cristina.
Farto de ouvir laudações militaristas, Cristiano, um auto-esilado em viagem de volta ao Brasil, resolveu dar o troco.
"Disse não aceitar o Q.I., coisa de americanos que não conseguiam caminhar e mascar chicletes ao mesmo tempo, sem falar que já era por todos sabido que os dados da pesquisa haviam sido falseados, no que o animal platino (o militar argentino) concordava. Preferia a descoberta de um cientista inglês, Lord Tarr - ele ainda não ouvira falar de Lord Tarr, um inovador? - que a partir de uma série de pesquisas, cujos critérios no momento não interessava explicitar, havia elaborado uma nova escala e - fato surpreendente em um pesquisador inglês - baseada no sistema métrico-decimal.
- Sí? - fez o gorila franzindo o cenho.
- Sim - continuou Cristiano -. E deu seu próprio nome à unidade de inteligência média, estabelecida após exaustiva amostragem. Assim, um homem de inteligência média tem um tarr.
- Y qué? - quis saber o primata.
- Daí que um homem cuja inteligência é dez vezes superior à média, é um decatarr. Cem vezes, um hectotarr. E mil vezes a inteligência média, medida meramente teórica, sequer alcançada pelo gênio, um quilotarr.
- Basicamente, nada de nuevo - grunhiu o argentino.
- Acontece que a escala também desce. Temos então que - e uma ligeira taquicardia começou a acometê-lo - dez vezes menos a inteligência média, um decitarr. Cem vezes menos, um centitarr. E mil vezes menos...
- Um militarr - concluiu Cristina, enrolando os erres na ponta da língua".
(Extraído do livro "Ponche Verde", pg. 179-180, de Janer Cristaldo - jornalista e escritor, articulista de Mídia Sem Máscara -, publicado pela Nórdica, Rio de Janeiro, 1986.)
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