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Contos-->A NOITE QUE ME OLHA -- 31/07/2001 - 21:09 (Carlos Higgie) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos






A NOITE QUE ME OLHA

A esta hora da noite desce uma nostalgia incontrolável ou sobe uma dor difusa que te morde a alma e digere com indolência todas as mais recônditas esperanças. Penso escrever sobre uma mulher que amei num tempo recente e inquietante, porém os olhos do menino, o sorriso sujo, cariado, a cara molhada de medo e coragem, não me deixam pensar.
Há poucos dias li sobre uma velha que apodreceu debaixo de um viaduto e ninguém, ninguém mesmo, fez nada. Fez-se espírito e buscou melhores ares; desfez-se corroída pela fome, aguilhoada pelo frio e pisoteada pela indiferença de seus pares. Apenas uma velha. Velha e mendiga. Talvez comesse lixo, pedras. Merda, quem sabe.
Por isso não consegui escrever sobre a mulher que desejei, numa tarde de um dia qualquer...
O menino é diferente, é como se visse em seus olhos o negro futuro, um porvir que esperava nunca ver, porém cada vez mais próximo.
É a festa de meu amigo Leopoldo, meu único amigo. Nasceu há muitos anos e festeja não sei bem o quê. Quando éramos pequenos e selvagens, corríamos pelas ruas molhadas, fazíamos guerra com bosta seca de cavalos e abrolhos. Aos domingos, e nos outros dias também, corríamos atrás da bola, buscando o gol mágico, embriagante. É verdade, fomos sujos, sórdidos, perversos com a prima de André, naquele entardecer, perto da lagoa.
Tudo isso está sepultado pelo pó do tempo.
Nora veio até mim, copo de uísque na mão, um sorriso pré-fabricado, palavras que pretendem ser agradáveis. Olho para ela, do centro confuso e turvo do pensamento do menino abandonado. E cresce em mim a raiva. Estou dentro de sua pele, me sustento em seus ossos descalcificados.
Nora não compreende. Estamos numa festa, tanta gente importante, tantos conhecidos ! Muita comida e muitíssima bebida.
Pergunta e não respondo, vejo-a, sinto-a feia e vulgar, tão limpa e perfumada, tão igual. “Vem!” – digo, e ela me pergunta o que acontece; empurro-a pelo corredor, abro uma porta: é um quartinho escuro, cheirando a mofo, com vassouras, baldes e detergentes. “Estás louco?!” Fecho a porta, ela fala em Leopoldo e nas outras pessoas, cubro sua boca, sou menino feito homem ferido, tenho cheiro de rua, de miséria; ela parece entender e se abre inteira como uma prostituta qualquer, ainda que surpreendida e assustada. Faço-a gozar em instantes e explodo em milhões de pequenos gritos. Olha-me, assustada, fala de respeito, de Leopoldo, pergunta por quê?, vai-se embora, fecha a porta, me enche de escuridão. Saio da pele do menino que suplica, pede uma esmola para comprar pão ou droga. Descubro que eu sou eu, porém não sou eu. Era Nora, penso, a mulher de meu amigo Leopoldo, que festeja seu aniversário, estou na sua casa e bebo de seu uísque, de seu vinho.
Agora que já é demasiado tarde, e não adianta nada perguntar, muito menos responder. Por quê?
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