Se devanan los siglos en la espera
Un minuto deshace las entrañas.
La sonrisa remeda las pirañas
Y un fatal panorama de dentera.
ELSA BARONI DE BARRENECHE
Amassei o cigarro com o pé esquerdo ( o dedo grande me doía um pouco, seu latejar parecia gritos de socorro ) e subi. Sentado no primeiro banco do ônibus quase vazio, deixei de preocupar-me com o horário. Sabia exatamente quantos minutos demorava, em cada dia da semana.
Outras preocupações consumiam meu pensamento: as dívidas, a cárie enorme no molar, os problemas em casa e no trabalho, a indisciplina crescente dos filhos, a antiga nostalgia de um tempo que jamais existiu.
O ônibus estava vazio. Os escassos passageiros imóveis e calados. Talvez, como eu, eram obrigados a trabalhar num domingo radiante, especialmente feito para descansar o esqueleto e desfrutar do sol e do arzinho que deixavam a sensibilidade à flor de pele.
Repassava, com extrema auto crítica, a última discussão com minha mulher. Pensava no destino das pessoas, em nossos destinos, escritos desde o princípio e já aniquilados no futuro. Desfazia-me em muitas perguntas.
Quando passamos pelo parque senti uma certa inveja de toda aquela multidão, que buscava no sol a liberdade e a vida, privilégio que lhes era negado no resto da semana.
O ônibus rodava lento, letárgico, como espreguiçando-se sob a luminosidade e o calor da tarde. Baixei, por um instante, as pálpebras. Me deixei envolver por um morno impulso que emanava de algum lugar não muito bem determinado.
Dormitei um pouco, cabeceei e voltei à realidade, sobressaltado. Aquela avenida me parecia totalmente desconhecida. Busquei uma explicação à minha volta. Os poucos passageiros que restavam, olhavam fixamente para um ponto indefinido da avenida.
Olhei o motorista, que permanecia atento ao seu trabalho. “Deve ser um desvio”, pensei. O veículo dobrou à direita e depois à esquerda; outra vez à direita e eu me dei conta que o percurso já passara, em minutos pelo menos, ao que estava acostumado.
Aproximei-me de um passageiro. Perguntei o que acontecia. Olhou-me como se não entendesse. Insisti que o trajeto não era aquele. Respondeu-me que eu estava enganado, confundido, que o caminho era aquele.
“ Me enganei de ônibus “, conclui. Não era possível. Por minha rua passavam apenas ônibus daquela linha; não havia como enganar-me.
Decidi interpelar o motorista. Apoiei minha mão sobre seu ombro; então girou a cabeça e vi seu rosto. Compreendi tudo. Já era tarde: o ônibus lançou-se em desabalada correria no olho negro do túnel.