UMA NUVEM SOLITÁRIA NA TARDE DE VERÃO
Sentado à mesa daquele bar, bebendo preguiçosamente uma cerveja e olhando como se não estivesse vendo nada, pensava nas coisas do seu passado.
Lembrava, por exemplo, o sabor frio e delicioso do bife à milanesa no pão, um bife enorme que sua mãe lhe trazia todas as noites quando retornava do trabalho. Tinha um gosto agradável, com um pouquinho de sabor do alho misturado com a efervescência da coca-cola. Essa lembrança doce aproximava outras, como se todas fossem partes de uma mesma corrente.
Inevitavelmente o rosto, a boca-fruta-madura, os ombros delicados, os seios feitos mamões papayas suculentos, a cintura de violino, as cadeiras generosas, as pernas torneadas, o corpo hospitaleiro de Açucena se apoderava de sua mente.
Ainda lembrava quando na bendita hora da sesta e num descuido dos maiores, tinha escapado até a lagoa. Comeram pitangas, mergulharam no fresco olho d’água , brincaram na grama macia e, entre os arbustos, entregaram-se ao mais louco prazer. Foram tantas tardes de amor e paixão, tantas horas de ternura, que já não podia contar ou lembrar. E todas as vezes, quando embriagavam-se naquela loucura quente, naquela explosão maravilhosa, juravam amor eterno e prometiam que nunca, jamais, se separariam.
Não se separaram até que a mãe de Açucena, desconfiada, seguiu a filha até a lagoa. O que viu a deixou totalmente enlouquecida. Açucena foi enviada para um convento e ele mudou-se para outra cidade. Nunca mais se encontraram.
A cerveja aquecia-se no copo. Já não conseguia beber. Mastigava lentamente seus pensamentos. Sentia-se traído pela vida, pelo destino, por alguém. Na noite anterior, um rapaz foi até sua casa. Era o filho de Açucena. Olhando nos seus olhos descobriu a verdade. Era seu filho também. O garoto entregou-lhe uma carta da qual conseguiu ler poucas palavras. A emoção foi tanta que chorou sem medo nem vergonha. Perguntou por ela. O garoto respondeu que tinha falecido no mês passado. Foi murchando como se fosse uma flor e morreu.
Pela janela do bar podia ver o mar, os turista aproveitando o sol de verão, as mulheres mostrando seus corpos bronzeados e sensuais, os vendedores ambulantes oferecendo cerveja, refrigerante, picolé, milho verde e ilusões. A boca-fruta-madura de Açucena se desenhava absurdamente em uma nuvem solitária e lágrimas rebeldes desciam escandalosamente pela face do homem.
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