Há mártires que se evidenciaram pela sua estrada sofrida, as cenas dolorosas, vítimas que foram de suas próprias idéias, pensamentos ou abnegação profunda em favor do próximo. Esses são exemplos que seguirão pela vida afora como Joana D´Arc, Tiradentes ou mesmo Jesus, embora este último tenha sido o maior e mais ilustre além da ressurreição gloriosa.
Quero aqui falar de mártires da vida cotidiana tão ocultos quanto sofredores e que se conduzem sem nenhuma glória já que em sua humildade apenas o anonimato predomina. São sofredores de todos os tipos e classes, verdadeiros mártires da vida comum.
Não atentamos nunca para a dor dos menos favorecidos como os deficientes físicos e pobres, por vezes, sem emprego e dependendo de algum gesto caridoso num país que nem ao menos dispõe de condições para que eles transitem e vivam. Penso como acordaríamos cada dia de nossa vida se tivéssemos que sobrepujar uma carência física para sobreviver. Não é um martírio digno de se honrar?
Aqueles que assoberbados de sofrimentos e miséria não conseguem nunca saciar a fome de seus pequenos filhos indefesos não serão mártires? Chegar em casa depois de um dia inteiro lutando e em certos casos nem de trabalho, mas de procura de trabalho e não conseguir suprir suas pequenas necessidades é uma aflição irremediável. E daí nasce a revolta. Revolta da mágoa que se acumula em tantos anos de espera inútil.A violência em inúmeros casos vem justamente desses mártires desconhecidos e ignorados. E inicia para eles um ciclo que dificilmente tem retorno adequado.
Quando pudemos contar com apoio e carinho tudo é mais fácil. Mas imaginemos a vítima inocente de perseguição em seu local de trabalho, o discriminado pela sociedade, os excluídos, as exceções, todos aqueles que não podem lutar pela própria vida imprópria e infeliz, vítimas ocultas, escondidos pela frieza e o descaso? Não serão autênticos mártires?
Nessa época em que a figura da vítima subjugada está sendo enaltecida e com razão reporto-me a um caso concreto de martírio.Há poucos dias vi relatar na mídia a história de uma moça que tendo feito exame de sangue foi constatado que era soro positivo. Ela e sua filhinha. Foi abandonada pelo marido e pela sociedade antes que pudesse provar que o exame estava errado. Quando isso aconteceu já tinha sofrido tanto, passado por tantos momentos de mortificação, sua vida virada do avesso e encontrava-se em estado deplorável. Mesmo assim continuava discriminada. Isso no meu entendimento é martírio dos mais graves e dolorosos. Ele envolve a dignidade humana no que há de mais delicado. Não é um caso até de direitos humanos desrespeitados? Isso é martírio.
Por que não fazermos uma justa homenagem a esses mártires vítimas de diferentes preconceitos e indiferenças que são os piores algozes e tentar na medida do possível reverter casos de prepotência que levam ao sofrimento destrutivo pessoas não favorecidas pelo destino? Mártires. Mártires ocultos e infelizes.
Vània Moreira Diniz
