Quando percebemos que estamos envelhecendo é hora de parar e tecer reflexões: o tempo está Ã nossa frente. Percebi que isso estava me acontecendo e resolvi perguntar de mim para mais dentro de mim ainda o porquê dessa nova revelação. O que eu havia feito comigo mesmo para que essa assertiva me fosse agora espontànea?
Singramos mares agitados, descobrimos praias desertas e, Ã s vezes, nos sufocamos com as marolas tolas das praias quase sem ondas. Quando um timoneiro olha para o horizonte e boceja, é que a viagem pode estar sendo postergada para um longínquo amanhã deveras distante do ontem. Mas eu ainda singro mares e teço sonhos. Ouso acreditar em Papai Noel e em um futuro manso e feliz. Nada se acabou de tudo, e o sonho tem e sempre terá um lugarzinho cativo dentro das almas sonhadoras, romànticas.
A violência, a recentíssima crise económico-financeira mundial, o desamor, a deseducação, o esquecimento dos valores humanos por parte de tantos, a falta de amor ao próximo, tudo isso são os frutos dos nossos esforços desumanos. Nada do que hoje enche as grandes cidades do mundo é feito sem as nossas vontades. E se houver futuro ainda, deveremos ser julgados por esses mesmos frutos, quando essa civilização reencontrar Deus e a natureza tribalista do viver simples, despojado da gula e da ambição. Quem sabe não destruamos a maioria dos lobos que alimentamos dentro de nós? Há tempo para tudo. Como na música dos Beatles: "há o bem e o mal em cada um de nós" (Ebony and Ivory). A flor de Lótus é bela, mas, se olharmos de onde ela vem, não acharemos toda a sua beleza mostrada ao olhar caprichoso de seus admiradores.
Sabemos que o futuro dependerá de nós e que nossas florestas estão sendo dizimadas da face do planeta, mas não plantamos sequer uma árvore. Sabemos que a violência é a mola mestra das grandes catástrofes sociais, mas nos rebelamos fortemente diante das menores coisas da vida, como no trànsito caótico das grandes cidades.
Traímos quando falamos de perdão e discutimos sobre a fome de barriga cheia. Somos contra a falta de educação pública, mas não nos dispomos a ser "amigos da escola", nem tentamos fazer o nosso dever de casa. É por isso que é muito mais fácil fugir dos cernes dos problemas sociais através de falácias ou de reuniões cheias dos perfumes das mulheres bonitas e dos ternos masculinos, do que agirmos no sentido da reconstrução dos mesmos. Ajuntamos pessoas, mas não encontramos gente. E a multidão continua solitária e ineficiente; a fome arrasa, a natureza destrói e mata e, a cada dia que passa, ficamos ainda mais vulneráveis ao mal como um todo. Sabemos que é carecido mudar para melhor e com muita brevidade. O passado que construímos, já sabemos, é o nosso maior vilão. Derrubemos o muro da hipocrisia, preparemos as mãos e partamos para a luta. Não destruiremos os maus frutos se deixarmos as velhas árvores do despreparo floridas e fixas à fertilidade das terras do mal. Arranquemos primeiramente nossas próprias ervas daninhas e só após isso é que, de mãos lavadas, poderemos apanhar o barco e singrar os mares das novas esperanças numa vida melhor.
Ainda não posso envelhecer. Hei de ficar criança por mais décadas e reviver o fólego da legítima reconstrução, saber que meus novos sonhos têm asas fortes e que ajudarei a reconstruir este planeta. As árvores, eu as plantei. Estão imensas. Deverei colher seus frutos e ofertá-los à minha admiração. Quando estiver certo de que após o horizonte mora o céu, poderei envelhecer e virar um anjo de luz e partir rumo ao Nirvana ou à fama dos que as terão, apenas porque zelaram bem pelo planeta e pelo homem. Essa fama eu deixarei caber no meu peito; não as outras banais, vis, desconcertantes. Meu maior orgulho é poder envelhecer tendo podido servir ao mundo de uma forma feliz e produtiva. Meus netos ainda verão o que eu me propus e fiz para eles, quando ainda não estavam entre nós neste mundo. Não sei quando eu poderei começar a envelhecer, mas não pretendo jamais me sufocar na marola fria do fim de alguma praia deserta, depois que alguma pequena onda, vazia do próprio mar onde vive, chamar-me de velho sem frutos.