Saiu pela manhã para renovar a carteira de habilitação. Havia estudado pouco porque se considerava o bom. Explicando melhor: como ele já era motorista há mais de 30 anos, achava que conhecia todas as leis de trànsito e praticamente tudo de primeiros socorros. Entrou na internet, fez alguns testes simulados e apavorou-se. Nos dois primeiros foi reprovado. Anotou as questões que havia errado para estudar mais tarde. Fez mais dois e conseguiu aprovação. Foi a deixa para desistir de estudar.
Para tornar mais claro o grau de sua autodeterminação, basta narrar o que aconteceu quando perguntado, certa vez, por um boliviano, se era brasileiro. A resposta veio rápida e rasteira:
- Não, eu sou gaúcho.
Falou para a mulher e o filho mais velho que ficassem despreocupados: a prova seria uma barbada. No retorno do exame a mulher não sentiu tanta confiança. Ele veio cabisbaixo, dando explicações rotas e desculpas esfarrapadas. Enfatizava que muitas questões da prova não faziam parte do programa.
No dia seguinte ele foi saber o resultado e, para seu desespero, havia sido reprovado. Não perdeu a esportiva e tentou arrumar desculpas, contando que outros cinco também haviam sido reprovados naquele dia e que sua nota foi seis e, por pouco, não havia alcançado o intento, pois a nota mínima exigida era sete.
Marcou prova novamente para a semana seguinte. Escondido passou a estudar de três a quatro horas por dia. Baixou da internet a apostila do Detran e leu-a de cabo a rabo. Estava tinindo de conhecimento, tanto em direção defensiva como em primeiros socorros. Ainda assim foi fazer a prova com algum receio de nova reprovação, mas não deixou transparecer diante dos parentes. Tudo isso por força de sua maneira de ser. Achava-se o melhor de todos, em quaisquer assuntos. Desconfio que o amor exagerado pelo torrão natal faz dele essa pessoa convencida.
Certa feita alguém fez um comentário sarcástico:
- Sabias que os gaúchos são os melhores em tudo?
Ele não perdeu tempo:
- Concordo contigo.
Dessa vez fora aprovado, com nota oito. Chegou em casa feliz da vida e não mediu esforços para exagerar na nota que havia obtido. Sabia que a mulher e o filho não iriam ao Detran conferir o resultado. Assim, mentiu que tirara dez. O único dentre os vinte candidatos daquele dia.
Quando morrer um homónimo dele, que foi famoso jogador de futebol, os dicionários Aurélio e Houaiss vão incluir um novo significado para esnobe, pedante, convencido, mala e marrento: romário!