O governo federal sabe exatamente onde lhe aperta o sapato. No momento, o calo mais dolorido é a CPI da Petrobrás: embora tenha tudo para dar em nada, se algo der errado, o dano poderá ser oceànico. Daqueles de estragar fim de mandato e macular o registro para a História.
Para isso, basta que surja um fato arrasador. Não necessariamente decorrente do esforço de investigação dos parlamentares. Pode aparecer de várias formas.
A mais comum é a oferenda especial de algum setor, ou de alguém, cujos interesses foram contrariados pela dinàmica do aparelho.
Motivações estas escusas ou legítimas, seu potencial destruidor é diretamente proporcional ao peso e, sobretudo, Ã veracidade do material fornecido.
Como o espectro da CPI é amplo - vai de fraudes em contratos a sonegação de impostos, passando por superfaturamento de obras e repasses de verbas a entidades amigas -, a chance de aparecer um papel comprometedor em alguma das áreas alvo, não é pequena.
E uma coisa são escàndalos no campo das relações políticas, onde a "sujeira" é vista por muitos (equivocados) como um mal necessário. Outra seria a comprovação da ocorrência de ilícitos no àmbito a empresa símbolo da eficiência no País.
O PT velho de guerra no embate de comissões de inquérito e no manejo de dossiês sabe como a coisa funciona.
Tanto sabe que resolveu jogar pesado. Passado o primeiro impacto do susto aplicado pelo PSDB, que o governo calculou (mal) observaria algum resguardo durante o tratamento de saúde da ministra Dilma Rousseff, o Planalto partiu para a luta em várias frentes.
Na parlamentar, fala macio, admitindo até negociar com a oposição os postos-chave (relatoria e presidência) da CPI. Na social, mostra os dentes bem afiados no discurso segundo o qual uma CPI para investigar a Petrobrás é uma CPI "contra o Brasil", como resumiu o ministro do Trabalho, Carlos Lupi.
A ideia óbvia é tirar vantagem da boa imagem da empresa, se apropriar do simbolismo e confundir-se com a marca. Assim, "preservar a Petrobrás" passa a significar manter as ações dos administradores da empresa impermeáveis à fiscalização.
A título de ilustração, guardadas todas as proporções, Fernando Collor fez mais ou menos o mesmo tipo de movimento quando, ameaçado pela CPI do PC, nos idos de 1992, chamou o povo à s ruas para defender o governo do Brasil.
Politicamente tosco e socialmente desprovido de sustentação, o então presidente conseguiu que as pessoas se mobilizassem sim, mas para defender-se do governo dele.
No mérito, a situação é totalmente diferente. Nem o presidente Lula está na berlinda nem há risco de ocorrer um efeito bumerangue como aquele que atingiu Collor direto na nuca. Primeiro, porque não há o sentimento de rejeição na sociedade e, depois, o atual governo tem base social organizada e, nessas horas, conta com ela no papel de voz das ruas.
Tanto lá como cá, o enrosco se dá no Congresso. Collor havia perdido o Parlamento. Lula mantém o apoio da maioria embora não exerça sobre ela controle suficiente para pisar no terreno com a segurança de que conseguirá se desviar de todas as minas.
Lá, o Congresso preparava-se para afastar o presidente do poder. Aqui, não é isso que está em jogo. É a própria imagem do Parlamento que se vê diante de uma chance de emergir da lama do descrédito em que está submerso.
Para isso, muita gente - governista inclusive, senão principalmente - não hesita em fazer da cabeça do Planalto uma escora e, Ã medida que a empurra para baixo, impulsiona o próprio corpo para cima.
No Legislativo existem biografias a mancheias no aguardo de oportunidade como essa para uma recauchutagem geral.
Aí é que mora o perigo de algo sair fora da linha. Daí surge a necessidade de tentar se socorrer também na força chamada batalha da comunicação. É um risco de parte a parte, claro.
A oposição pode sucumbir se nela pegar o carimbo de inimiga da Petrobrás, do País, da recuperação da crise. Mas o governo pode também ser vitimado por desvantagens inexistentes quando da espetacular recuperação do baque os escàndalos da era mensalão.
Há o fim do governo no horizonte visível, há o desacerto na base de sustentação, há as divergências pré-eleitorais entre PT e PMDB, há o enfraquecimento dos petistas como força política incentivado pelo próprio governo, há os interesses escusos dos aliados, há a insegurança na perspectiva de poder no campo governista e há uma oposição que - a despeito de preferir panos quentes a làminas frias - tem agora muito mais razões para acirrar e bem menos disposição de amenizar.
Em 2005, quando optou por fazer-se de surda à confissão do publicitário Duda Mendonça de que havia sido pago por meio de caixa 2 para trabalhar na campanha presidencial de Lula em 2002, o PSDB jogou movido pelo medo - quase certeza - de perder o embate com Lula em 2006.
Hoje, joga alimentado pela vontade - quase certeza - de ganhar a Presidência em 2010.