Usina de Letras
Usina de Letras
85 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62295 )

Cartas ( 21334)

Contos (13268)

Cordel (10451)

Cronicas (22540)

Discursos (3239)

Ensaios - (10391)

Erótico (13574)

Frases (50680)

Humor (20040)

Infantil (5461)

Infanto Juvenil (4782)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140824)

Redação (3310)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6211)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Artigos-->CIDADÃO KANE III -- 09/05/2003 - 14:13 (wanderson bastos silva andrade) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O vocábulo “arte” é daqueles que projeta um feixe conotativo de abrangência plural. Seu alcance semântico, v. g., delimita um vasto espectro de artifícios cujo substrato está associado à técnica de manipulação estilística. A essência da arte é causar prazer. Com tal propósito, os artesões manipulam cores, formas, melodias, palavras. Quanto mais sofisticada a capacidade de manipular, tanto melhor será a manufatura artística. Por conseguinte, a medida do artesão está consubstanciada no seu vezo de manipulador. Um artefato cuja matéria-prima foi manipulada com excelência conferirá louvor ao artista. Contudo, o artista que manipula sem requinte fatalmente granjeará o repúdio da crítica e a indiferença da platéia. A impressão advinda da arte-final dependerá também de certos atributos que a matéria-prima escolhida necessita refletir. Assim, a energia das cores, a sinuosidade das formas, o timbre das melodias e a força das palavras serão vitais para a obtenção de um bom resultado. No campo das palavras, a coisa ganha um requinte especial. É que a manipulação verbal pode ser tanto escrita quanto falada. Quando se escreve, as palavras configuram matéria-prima da literatura; quando se fala, da oratória. Oradores são artistas especializados na montagem de discursos. Discursar envolve não apenas selecionar apropriadamente as palavras. Requer impostação adequada e utilização oportuna. Falar bem, portanto, implica o uso de palavras certas, da maneira correta, no momento acertado.



No cinema e na TV as palavras são notadas, mas nem tanto. A imagem toma conta do enfoque. No rádio, entretanto, a situação é outra. Ali, as palavras ganham o status de protagonistas. Às vezes, uma canção, uma vinheta etc. perambulam pela programação radiofônica. Desenvolvem o papel de coadjuvantes. Sonoplastia, porém, não constitui o fundamento do rádio. Ele abastece-se de palavras. Se o radialista as seleciona espontânea e fluentemente, será elevado à condição de artista. Caso, no entanto, gagueje, titubeie, catando-as à toa, os ouvintes haverão de beneficiar o charlatão com a outorga do desprezo. No rádio, exemplo de sucesso pôde ser observado em ORSON WELLES. Com “A Guerra dos Mundos”, WELLES auferiu celebridade artística. Por quê? Porque soube direcionar as palavras exatas para o contexto semiótico de sua transmissão. Pinçando os termos que melhor se compatibilizavam com o conteúdo narrativo de “A Guerra dos Mundos”, ele fez do império das palavras um mecanismo de ascensão. Atingiu um patamar de realismo até então desconhecido e notabilizou-se pela aguda capacidade de persuasão que exercia. Desse modo, “Cidadão Kane” apenas consolidaria a imagem que WELLES já havia edificado três anos antes. O filme, todavia, acrescentou um adendo ao seu álbum biográfico. Qual? A disposição para brigar. Corajosamente, ele escolheu o GOLIAS da época: WILLIAM HEARST. Sua estratégia incomum, contudo, desmascarou o magnata.



WELLES batizou o trato com as palavras no contexto de um ritual que ainda não tinha sido experimentado. Situado em um plano conjuntural de estirpe predominantemente popular, achincalhou o primado burguês, deixando implícitos um postulado e um modelo de conduta. Pelo postulado, redefinir-se-ia o papel das palavras, atribuindo-se-lhes a estratégica função de equalizador das massas. Já o modelo de conduta trafegaria pela refração dos desmandos da elite econômica, quase sempre alinhavada por vampiros. Nesse enfrentamento, o artista atuaria com um quê de defensor público. Não se pode negar, pois, que a radiodifusão, em face da evidência que concede às palavras, externa o palco perfeito para a consecução dos objetivos estampados por WELLES: escrachar a devassidão da classe dominante e abrir espaços para a patuléia.



Hoje, entretanto, o rádio está infestado de charlatães. Uma quadrilha de boquirrotos e estelionatários intelectuais alojou-se por lá. É gente que efetivamente só dá certo no circuito da ilicitude. Uma trupe que faz da conversa fiada o chamariz do show de jumentalidades que patrocina. Essa rapaziada não detém o cacoete que possibilita manusear as palavras com elegância. A rigor, “palavra” é um elemento que não aprenderam a forjar. O coice é sua matéria-prima. Mas há exceções. Em Sergipe, GILMAR CARVALHO é uma delas.



Com efeito, GILMAR é um radialista cuja ferocidade consegue lembrar o ímpeto de ORSON WELLES. Manobrando artisticamente o curso das palavras como se pilotasse um panzer, GILMAR estilhaça a ossatura de regimes governamentais impopulares, de chefes políticos cujos princípios estão em dissonância com os desejos do povão, de autoridades sem espinha dorsal, enfim, de açougueiros sociais que administram um verdadeiro lupanar erguido junto à periferia do poder. O povo fica feliz ao vê-lo esfolar a pele dessa raça. Incisivo, GILMAR acerta os inimigos do povo bem na testa. É divertido. E prazeroso. GILMAR parece não estar nem um pouco preocupado com o tamanho dos adversários que conquista em nome de suas crenças. GOLIAS também era grande. E foi à lona. Ademais, o proletariado gosta de GILMAR. Delira com ele. Além disso, GILMAR sabe que o povo não é ingênuo como alguns supõem. Embora os imbecis não acreditem, as massas têm efetiva consciência de que perder o controle sobre o governo que legitimaram equivale a admitir que elas não passam de um amontoado de quase ninguém. Por isso, GILMAR faz questão de que o seu programa funcione enquanto gabinete do povo.



A conseqüência dessa postura requer energia, além de coragem. É que, agora, as massas raramente buscam o auxílio direto dos órgãos institucionais. Sua fé neles diminuiu. A profecia de H. L. MENCKEN concretizou-se: “todo homem decente se envergonha do governo sob o qual vive”. Pois bem, a vergonha já impeliu vários “homens decentes” a procurarem GILMAR. Fotografam para ele uma paisagem de desolação: o pré-histórico fornecimento de água; a chateação motivada pela TV a cabo; o servidor público cretino que repuxa os ombros e contorce os olhos à procura de um melhor design para os documentos da repartição, mas que não recebe ninguém etc. Funciona. Do contrário, deixariam de ir atrás dele. Daí, o jargão: “o secretário do povo”. Há outro mais sugestivo: “o incendiário do sistema”. É escatológico. Mas, de fato, GILMAR ateia fogo no juízo de qualquer um que queira fantasiar-se de WILLIAM HEARST. A intrepidez que abraça não permite que ele tenha medo de “Cidadão Kane” algum.



GILMAR também é inovador. Transformou o seu programa em um eficaz “tribunal popular”. Em 1972, MICHEL FOUCAULT, debatendo com um grupo de comunistas, resenhou o protótipo de “tribunal popular”. Sem juízes, livre da hipotética noção cosmopolita do justo e do injusto e, principalmente, despojado de sentenças coercitivas, um “tribunal popular” só conheceria duas personagens: o povo e o seu inimigo. Como não haveria magistrados, as massas estariam livres para executar sua própria justiça. Na China, v. g., o Exército Vermelho, gerado nas entranhas do povo, nortearia essa execução. Em Sergipe, o programa de GILMAR CARVALHO põe as massas diante de inúmeros “Cidadãos Kane”, tête-à-tête. E o povo, que sempre tem razão, desce o sarrafo. Algo inédito por aqui.



E a afinidade com a freqüência cardíaca das multidões? Ora, o fato de o povo, por duas vezes consecutivas, ter dado a GILMAR CARVALHO o mandato de deputado é prova segura de que ele acompanha o ritmo da pulsação coletiva. Ainda assim, é lícito crer que, para GILMAR, a Praça Fausto Cardoso não seja ideal. Logo, que mal haveria em pensar na Olímpio Campos?
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui