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Artigos-->CIDADÃO KANE II -- 09/05/2003 - 14:12 (wanderson bastos silva andrade) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A batalha que israelenses e filisteus travaram durante o reinado de SAUL abriga um episódio caricatural. Os exércitos de ambas as nações entrincheiravam-se no front. Entre os combatentes, uma espécie de despenhadeiro. Ainda assim, do local em que se protegiam, o adversário podia ser enxergado com suficiente nitidez. Ninguém, contudo, tomava a iniciativa no sentido de partir para a ofensiva. Preferiam auscultar os movimentos do inimigo, provavelmente à espera daquela que seria a circunstância ideal para uma investida fulminante. O certo é que tanto judeus quanto o povo a eles hostil refletiam a fisionomia de quem apreensivamente conseguia antever um traumático registro de seus nomes na escrituração contábil dos defuntos. Do lado de lá, entretanto, um valentão distinguia-se: GOLIAS. Segundo consigna a historiografia bíblica, GOLIAS incorporava a figura de “um campeão” no meio dos seus companheiros. Sua aparência era a de um monstrengo. Chegava a ter quase três metros de altura. A mera presença do gigante fazia respingar pânico da pupila de quem olhava para ele. Parecia que o triunfo da guerra já possuía um destinatário. Até que surgiu DAVI, um mancebo franzino cuja estatura jamais lhe permitiria pôr insígnia militar alguma sobre os ombros.



Com efeito, DAVI não passava de um pastor. Ele, no entanto, ofendido com o escárnio de que GOLIAS diuturnamente fazia uso, no intuito de tirar o escalpo de seus camaradas, dispôs-se a lutar. Quando DAVI foi apresentar-se perante SAUL, a fim de comunicar-lhe do seu intento, o tom da conversa passeou pelos ouvidos do monarca com o mesmo diapasão de uma pantomima. SAUL ainda tentou dissuadi-lo do desembesto. O pirralho, porém, era atrevido. Vendo que não arrancaria a maluquice da cabeça do garoto, SAUL ofereceu-lhe o seu uniforme. O fardamento, todavia, não coube em DAVI. Era grande demais para ele. O rapazote, em trajes de camponês, armou-se. Seus instrumentos? O cajado que sempre trazia consigo, um tipo de estilingue e cinco pedrinhas. Quem o viu caiu em alvoroço. O grandalhão, ao encarar DAVI, perguntou-lhe se ele era algum cachorro para ser afrontado por um nanico que se apresentava com um pedaço de pau na mão. O baixinho melindrou-se. Pegou uma das pedras, pôs na atiradeira, mirou bem na testa do desafeto, disparou e acertou o alvo. O varapau despencou. Israel venceu a batalha.



Ora, o cenário em que transcorreu o embate DAVI versus GOLIAS traduz uma intrigante metáfora. Ela, coincidentemente, aloja outra passagem da carreira de ORSON WELLES bem mais significativa do que aquela que foi abordada no ensaio precedente. É que a estrutura dramatúrgica de DAVI versus GOLIAS, além de também congregar os valores da intrepidez, da inovação e da harmonia com a agenda popular, realça-os. Como? Pelo instituto da antítese. Em verdade, a discrepância entre as condições com que a natureza havia brindado DAVI e GOLIAS era visível. O filisteu era um nefilim. Só a extremidade da lança que levava consigo pesava sete quilos. DAVI, por outro lado, munia-se com utensílios do paleolítico: um bastão e um bodoque. Encarar o troglodita nessas condições exigiria coragem à beça. A postura de DAVI, contudo, surpreendeu GOLIAS. O filisteu supunha que o oponente partiria para cima dele. Isso lhe conferiria evidente vantagem. Robusto, não teria qualquer dificuldade para estraçalhar DAVI. Um peteleco seria o bastante. DAVI, entretanto, não era tolo. Mantendo-se fora da zona de alcance de GOLIAS, utilizou-se de um aparato bélico que, embora antiquado, superava-se pela engenhosidade. Afinal de contas, estendia a quem dele fazia uso a possibilidade de alvejar o adversário à distância.



A tática inovadora produziu um desfecho inesperado. Radiante, a mulherada compôs uma melodia para o futuro governante: “SAUL matou mil, mas DAVI matou dez mil”. Vale dizer, no quadro em que foi pintado o embate DAVI versus GOLIAS, sobressaíram-se os matizes da bravura, da novidade e da resolução popular. Mas em que instante se daria a confluência entre DAVI versus GOLIAS e ORSON WELLES?



No início da década de 40, ORSON WELLES, acompanhado do colega HERMAN MANKIEWICZ, alavancou a maneira de conceber um filme. Isso se deu com a película “Cidadão Kane”. A obra, por conta da modernização que procurou introduzir na linguagem cinematográfica, traçou para si a posição de arquétipo. Há, no entanto, alguns detalhes acerca de “Cidadão Kane” que tão-somente uma turnê pelos bastidores da biografia de WELLES será capaz de desvendar. Quais?



O enredo de “Cidadão Kane” buscava atingir a figura de WILLIAM HEARST, expoente do denominado yellow press americano e patriarca da bestialidade e da selvageria que aportaram na fossa hollywoodiana. Anti-semita, pervertido, de moral antropofágica, HEARST repartia suas horas com uma alcatéia singular: advogados inescrupulosos, gângsteres, prostitutas etc. Dono de uma vocação empresarial cujas nuanças eram mais apropriadas para quem se concebia enquanto ponto de convergência do círculo comunitário, endemoninhou o capitalismo, manchando a tela do início do século passado com um matiz ideológico de acordo com o qual a sociedade consubstanciaria a latrina na qual ele estaria legitimado a depositar os dejetos de sua rapinaria. Milionário, estabeleceu em torno de si um verdadeiro movimento de translação. A órbita alheia era por ele demarcada.



Acontece que a ORSON WELLES não interessava compor a via-láctea bosquejada por WILLIAM HEARST. WELLES, a rigor, ambicionava implodi-la. Daí o advento de “Cidadão Kane”. Planejado dentro de uma perspectiva de acometimento, o filme tocou a testa de HEARST como uma pedra. Chegou a devassar-lhe a privacidade. Sua cena inicial centralizava-se na enigmática palavra rosebud, que era o modo através do qual HEARST referia-se meigamente ao clitóris da namorada. Assim, WELLES mostrou valentia. O método de provocação foi também inédito: um filme estruturado conforme o encadeamento de um quebra-cabeça psicológico, numa época em que o cinema tinha-se transformado no passatempo predileto dos patetas. Finalmente, submetido a um plebiscito, o instinto aguerrido de WELLES foi sancionado. HEARST até que tentou boicotar “Cidadão Kane”. Chantageou, manipulou, subornou. E perdeu. O filme, até hoje, é considerado o melhor de todos os tempos. Mas, no confronto WELLES versus HEARST, uma coisa merece destaque: WILLIAM HEARST não processou ORSON WELLES. Tampouco processou o estúdio RKO, responsável pela edição de “Cidadão Kane”. Retaliou às caladas. Induziu o FBI a prender MANKIEWICZ, que era judeu, acusando-o de propalar o comunismo nos EUA. WELLES safou-se por um triz. Por quê? Porque do seu lado estavam a intrepidez, a inovação e a sintonia com o afã das massas. Mais uma vez, DAVI, de estilingue, derrotaria GOLIAS. Dois gols para os judeus.



Nenhuma dessas considerações, porém, resolve o seguinte problema: quais as respostas das duas perguntas que foram feitas no texto anterior? Numa palavra, existiria algum adepto do estilo de ORSON WELLES em Sergipe? Quais as conseqüências disso? Essas respostas virão no terceiro e último artigo desta série.
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