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Artigos-->CIDADÃO KANE I -- 09/05/2003 - 14:10 (wanderson bastos silva andrade) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
1938. Outubro. Dia 31. Um pedaço do calendário que acondiciona uma passagem de performance sem igual. Trata-se da mais ousada transmissão radiofônica de que se tem notícia. O mentor de tal episódio? Não poderia ser figura mais arrojada. Seu nome? ORSON WELLES. Mas o que aconteceu exatamente? Essa pergunta não poderá ser respondida sem que antes se proceda a uma autópsia de algumas das cores com as quais o final da década de 30 pintou a trajetória da humanidade.



Em setembro daquele ano, por exemplo, a Conferência de Munique, evidenciando uma singularíssima lerdeza, permitiria que HITLER tomasse parte do território da antiga Tchecoslováquia. Dias antes, o Führer houvera conquistado a Áustria, incorporando-a à Alemanha. O clima estava tenso na Europa. Não faltava muito para o pau começar a quebrar. Enquanto isso, franceses e ingleses escondiam-se atrás daquilo que acharam conveniente rotular como “política de apaziguamento”, expressão cuja finalidade era, a rigor, conferir uma compleição mais elegante tanto para o comodismo quanto para a frouxidão de ambos. Os russos, cujo diapasão de raciocínio carimbava com vodca os argumentos que empregavam, tinham firmado o “Pacto Germano-Soviético” com os nazistas. E os americanos? Esses, como de costume, viviam atemorizados com a possibilidade de um ataque, que só viria três anos mais tarde.



A coisa não estava para brincadeira. Todo o cuidado era pouco. Mesmo diante de tudo isso, ORSON WELLES passou por cima do contexto, triturando os ânimos de seus compatriotas, que já se encontravam à flor da pele. Montou uma adaptação de “A Guerra dos Mundos”, romance do escritor britânico H. G. WELLS. O eixo dessa obra girava em torno do problema da colonização e enfocava o matiz racial que ela trazia consigo. Seu enredo delineava esse ponto-de-vista através de uma penetrante metáfora: a invasão e o decorrente domínio do planeta por extraterrestres. Há quem diga, inclusive, que a leitura do livro chegou a ser desaconselhada naquela época. É que, segundo alguns, ele poderia desencadear uma verdadeira fobia nas pessoas, disseminando um como que de crise de pânico coletiva.



Pois bem, ORSON WELLES conseguiu comprovar a veracidade desse modo de enxergar “A Guerra dos Mundos” durante o Halloween de 1938. Como? No início do mês de outubro, ele convenceu a direção da CBS, emissora na qual trabalhava, a levar ao ar uma adaptação dramática do romance. Tudo ocorreria do seguinte modo: ali pelas 20h do dia 31, a CBS interromperia a programação normal para anunciar que um meteoro caíra nas adjacências de Nova York. Logo após, os ouvintes seriam informados de que extraterrestres estariam saindo desse meteoro, matando homens e mulheres ao redor, entrando em Nova York e lançando um gás letal sobre a cidade. Não foi preciso mais nada. A histeria tomou conta dos americanos. Centenas de pessoas procuraram ajuda policial. Outras centenas fugiram, apavoradas com a perversidade dos mais novos hóspedes. Teve quem corresse pelas ruas. Teve até quem se jogasse do alto de prédios. Enquanto isso, ORSON WELLES, na companhia de colegas, estava na Flórida, dando boas gargalhadas e enchendo a cara de uísque. Até aquele momento, ele não tinha noção do pandemônio que ocasionara. Ao fim de tudo, o locutor da CBS, com um sorrisinho amarelo no canto da boca, disse que os espectadores haviam acabado de escutar a dramatização de “A Guerra dos Mundos”, idealizada pelo jovem ORSON WELLES, de apenas 23 anos. Foi o bastante para ele ficar conhecido, passando a compor a antologia dos famosos pelo resto da vida.



Ora, esse pequeno trecho da biografia de ORSON WELLES é digno de registro. Afinal de contas, ele traduz o pontapé inicial do sucesso do cineasta americano. Nele, contudo, esconde-se um pormenor capaz de revelar o porquê de tanto êxito. A explicação não é difícil. Ela, entretanto, comporta três blocos distintos. O primeiro é aquele que denota o caráter intrépido de ORSON WELLES; o segundo, seu espírito inovador; o terceiro, a sintonia que mantinha com a alma das massas.



A intrepidez aparece ali onde se observa a postura corajosa que ele adotou. Chamou para a si a responsabilidade da narração de “A Guerra dos Mundos”, assumindo as conseqüências de um eventual fracasso. Seu nome estava em jogo. A inovação também é patente. Ela manifesta-se por intermédio da engenhosa capacidade de ORSON WELLES em patrocinar a montagem de um insólito espetáculo. Ninguém esperava por aquilo. A novidade desprendeu alarido e gritaria. Aliada à demência e à mania de perseguição dos americanos, ela pôde dar vazão aos arroubos psicóticos dos EUA. Por fim, o cérebro de ORSON WELLES funcionava em consonância com as ondas que o coração plebeu emitia. É certo que ele passou da medida. Sua formação expressionista fez com que não atentasse para o fato de que a engenharia nova-iorquina teria sido concebida por quem provavelmente traçou o croqui de um hospício. De qualquer forma, ORSON WELLES atingiu o âmago daquele povo. Conhecedor da geografia psicológica do ianque, ele tinha uma perfeita noção da região em que se situava o seu Tendão de Aquiles. Só se esqueceu de usar anestésico.



Sob esse aspecto é que a encenação de “A Guerra dos Mundos” carrega um perfil simbólico. Com ela, ORSON WELLES pôde valer-se de uma técnica até então inédita na radiodifusão. Lançando mão de uma leitura eminentemente “emocional” do indivíduo, ele procurou dissecar a essência do público, atingindo-lhe a medula. A estratégia foi cirúrgica. Por conseguinte, terminou por fazer escola. Seus preceitos doutrinários consistiam, em primeiro lugar, na adoção de uma postura intrépida; em segundo, na aptidão para inovar; em terceiro, na sensibilidade inata para decifrar a anatomia dos desejos humanos. Numa palavra, os asseclas que ORSON WELLES disseminou pela periferia do globo deveriam ser, igualmente, intrépidos, inovadores e sintonizados com os anseios das multidões. Resta, portanto, consignar as seguintes indagações: há, em Sergipe, quem tenha optado por seguir o inquietante estilo de ORSON WELLES? Quais os resultados de uma escolha como essa? Com efeito, as respostas para esses dois questionamentos, pela densidade que comportam, constituem matéria para a abordagem de um próximo artigo.
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