Neste último sábado, dia 25 de abril, o repórter da TV Globo William Waack abordou, no Jornal Nacional, os 35 anos da Revolução dos Cravos, que, segundo ele, teria dado início à redemocratização de Portugal. Nada mais incorreto. O que é de se lamentar, tratando-se de William Waack, um historiador sério, autor de Os Kamaradas (Cia das Letras, SP, 1993), a obra mais completa já escrita sobre a Intentona Comunista, ocorrida no Brasil em 1935.
Após o longo governo do ditador António Salazar, iniciado em 1926, ocorreu, em 25 de abril de 1974, o golpe contra Marcelo Caetano, elaborado pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), composto por oficiais jovens, principalmente capitães que tinham participado das guerras coloniais, com princípio anarcossocialista, de tendência esquerdista radical. A multidão foi à rua para aplaudir o golpe, colocando cravos nos canos dos fuzis dos soldados - daí o nome "Revolução dos Cravos".
Após o golpe na Terrinha, esquerdistas do mundo inteiro acorreram a Portugal, especialmente vindos da América Latina, em busca de mais uma utopia socialista. Assim como José Serra "refugiou-se" no Chile do socialista Salvador Allende, após a Contra-Revolução brasileira de 1964, Márcio Moreira Alves, o "Marcito" do famoso discurso de 1968 na Càmara, foi um dos muitos brasileiros que se aliaram à s hostes dos comunas portugueses.
Foi em Lisboa que Moreira Alves, falecido recentemente, escreveu o livro O Despertar da Revolução Brasileira (Seara Nova, Lisboa, 1974). No livro, diz Moreira Alves: "O protesto [discurso na Càmara] que escrevi era uma crítica por dentro. De um modo geral era eu simpático ao governo militar" (pg. 50). Para "Marcito", foi um alívio ver a saída de Jango, pois "achava-o oportunista, instável, politicamente desonesto... Aparecia bêbado em público, deixava-se manobrar por cupinchas corruptos... e tinha uma grande tendência gaúcha para putas e farras" (pg. 51 e 52). Moreira Alves foi também o criador da expressão "ditabranda", por não considerar como sendo uma verdadeira "ditadura" o período do governo dos militares que antecedeu o AI-5. Recentemente, a Folha de S. Paulo utilizou essa expressão em um editorial, o que rendeu protestos veementes dos esquerdistas herbívoros e carnívoros de plantão, a exemplo da libélula (*) uspiana Maria Victoria Benevides.
Nos 18 meses que se seguiram ao golpe português, cujos líderes se dividiam em facções concorrentes - conservadora, moderada e marxista -, Portugal viveu um grande tumulto. Seis governos provisórios se sucederam, foram tentados golpes e contragolpes, houve greves, tomada de fábricas, fazendas e meios de comunicações.
Havia a ameaça de uma guerra civil entre o Norte conservador e o Sul radical. Parecia a repetição da Rússia de 1917, com Caetano como Nicolau II e o ministro Mário Soares como Kerenski.
Porém, o Lênin da verdadeira revolução democrática portuguesa foi o pacato coronel António Ramalho Eanes, que, ao invés de lançar Portugal numa ditadura marxista, no dia 25 de novembro de 1975 subjugou os radicais de esquerda nas Forças Armadas e garantiu a democracia em Portugal.
É uma pena que William Waack não saiba disso. Ou não deixam que saiba, pois os meios de comunicação do Brasil, dependentes de verba publicitária oficial, não conseguem sobreviver sem fazer afagos aos atuais donos do poder, especialmente a Franklin Martins, antigo terrorista do MR-8, mentor do sequestro do embaixador norte-americano, Charles Elbrick, e atual ministro da propaganda do governo Lula. "Isto é uma vergonha" - como diria aquele apresentador expulso da TV Record, por fazer sistemática crítica aos petistas.
(*) Libélula - Neologismo que criei, deriva-se de Libelu - Tendência Liberdade e Luta, grupo estudantil-lambertista, que atuava na USP (Pierre Lambert foi um dos ideólogos da IV Internacional - Trotskista). O ministro da Fazenda do Governo Lula da Silva, António Palocci, foi um de seus integrantes. A USP foi fundada em 1934, no Governo Armando Sales de Oliveira, e nesta, a Faculdade de Filosofia e Letras, que se tornaria, com Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso e Octávio Ianni numa das matrizes de difusão do Marxismo.
Félix Maier é militar da reserva e ensaísta, autor do livro Egito - Uma viagem ao berço de nossa civilização, Thesaurus, Brasília, 1995.