Usina de Letras
Usina de Letras
48 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62247 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10450)

Cronicas (22538)

Discursos (3239)

Ensaios - (10372)

Erótico (13571)

Frases (50643)

Humor (20033)

Infantil (5442)

Infanto Juvenil (4770)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140812)

Redação (3308)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6199)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Artigos-->Um Romanov incomoda muita gente (mas um Hohenzollern...) -- 02/05/2003 - 19:32 (Lindolpho Cademartori) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos












“ Os Hohenzollern foram destroçados pelos inimigos externos que integravam a Entente; os Romanov, pelo inimigo interno bolchevique. Na contemporaneidade, as circunstâncias genéricas são semelhantes: os Estados Unidos podem ser moral e ideologicamente arruinados por forças externas (grosso modo, quase a totalidade da opinião pública mundial) em função da ilegitimidade jurídica internacional de sua empreitada militar, porquanto a civilização islâmica pode ser vitimada pela própria instabilidade interna, pela falta de coesão intra-social, pela estrutura esclerosada dos regimes e dos líderes, pelos interesses escusos de certas elites, pela debilidade das instituições e em virtude da resistência à laicização do Estado.”











Ninguém poderia imaginar, em 1873 - ano em que se constituiu a Dreikaiserbund ou Liga dos Três Imperadores -, que os Romanov, os Hohenzollern e os Habsburgo iriam afundar juntos, quarenta e cinco anos mais tarde. Deixemos de lado, por hora, uma das casas da tríade – os Habsburgo -, e nos concentremos em uma análise marginal acerca dos Romanov e dos Hohenzollern.



A dinastia Romanov, bem sabe o leitor, governou a Rússia czarista por mais de três séculos, porquanto a casa dos Hohenzollern domou as rédeas do Brandemburgo, que se converteu na Prússia, que, por seu turno, agregou os estados alemães do sul e formou o II Reich alemão. Vinculadas pela amizade, pela genealogia, pela convergência ideológica, e, em menor escala, pelos interesses estratégicos, ambas as casas reais perpassaram três séculos sem maiores divergências, e, em uma primeira etapa da era bismarckeana, contemplaram até mesmo um maior estreitamento de laços entre o Império Alemão e a Rússia czarista. A empatia ínsita entre o kaiser Guilherme I e o czar Alexandre II, respectivamente tio e sobrinho, cimentava a rede de camaradagens dinásticas, bem como conferia alguma austeridade e respaldo à Liga dos Três Imperadores, aliança originalmente podre e ineficaz em virtude dos interesses conflitantes da Áustria-Hungria (que, também sabe o leitor, era governada pela casa de Habsburgo) e da Rússia nos Bálcãs e no Império Otomano. A postura pró-austríaca de Bismarck durante a Crise do Oriente (1875-1877), a suposta “traição” alemã à Rússia no Congresso de Berlim (1878), a Crise da Bulgária (1885-1887), o interdito de Lombard (1887)[1] e os crescentes desentendimentos entre russos e austríacos nos Bálcãs encerraram por minar o histórico de amizade e cooperação entre os Hohenzollern e os Romanov. A partir de 1890, ano da queda de Bismarck, a deterioração das relações russo-alemãs caminhou a passos largos, em função, ainda, das grosseiras manobras da diplomacia guilhermina e das estratégias equivocadas dos chanceleres von Caprivi e von Bühlow.



Instou-se, desde então, uma crescente rivalidade russo-alemã, um desprezo explícito de uma nação para com a outra, a ascensão do nacionalismo integrista e militarista (que, coincidência ou não, tem no pan-germanismo e no pan-eslavismo seus dois maiores estandartes) e as escaramuças estratégicas. Da relação familiar e confidente de Guilherme I e Alexandre II, passou-se às desconfianças e às provocações entre Guilherme II e Nicolau II. Romanovs e Hohenzollerns passaram, pois, a contemplar na derrota um do outro o escape para a afirmação da “vontade de potência” dos dois Impérios.



O agosto de 1914, todavia, sepultou as pretensões de ambos ao tragá-los de corpo, alma e canhões para o esteio de uma guerra que culminou na ruína de ambas as casas reais. Em se tratando de análises extra-históricas, pode-se dizer que talvez a maior desgraça de Romanovs e Hohenzollerns seja a de que não foram arruinados um pelo outro. Os sonhos de grandeza da Rússia czarista morreram nas mãos dos bolcheviques e foram sepultados no ignoto vilarejo uraliano de Ekaterinburg, onde o czar e sua família foram executados pelos asseclas de Lênin et caterva. O “lugar ao sol” desejado pelo II Reich alemão acabou na vergonhosa fuga de Guilherme II para a Holanda, resultando na implosão instantânea do Império e da dinastia. Os dois impérios arruinados deixaram, ainda, os dois legados prático-ideológicos mais torpes e criminosos de toda a História, quais sejam o nacional-socialismo alemão e o comunismo soviético, bem como Hitler e Stalin, estadistas eméritos na prática genocida, no autoritarismo irrestrito e no desrespeito sumário das regras regentes da comunidade internacional.



Certo de que não se trata de uma impressão equivocada ou de uma idiossincrasia, creio haver algumas semelhanças fundamentais e reais entre o antagonismo russo-alemão do final do século XIX e início do século XX e a conduta estratégica dos Estados Unidos em relação à civilização islâmica e vice-versa. Observe que não se alude a um país específico – Iraque, Irã, Afeganistão ou Síria -, mas à macroestratégia norte-americana cognominada “Guerra ao Terrorismo” e à postura das correntes fundamentalistas islâmicas em preconizar a destruição do Ocidente, com ênfase ao “Grande Satã” norte-americano.



A exemplo das relações inicialmente amistosas e confidentes entre Hohenzollerns e Romanovs, norte-americanos e muçulmanos já fomentaram parcerias, programas de cooperação e uma amizade histórica. O alinhamento irredutível – e, portanto, insensato – dos Estados Unidos a Israel a partir de 1949 deu início à gradação da deterioração das relações dos E.U.A. com a civilização islâmica, gradação esta que se elevou com a virtual inércia norte-americana em relação à violação de mais de trinta resoluções do Conselho de Segurança das Naçoes Unidas por parte de Israel, com o fornecimento de tecnologia nuclear de Washington para Tel-Aviv (somado à amarga negativa soviética em proceder da mesma forma com os árabes) e com patrocínio ocidental às ditaduras corruptas e a determinadas facções e etnias internas das nações islâmicas. Assistiu-se, assim, a uma crescente redução de afinidades estratégicas entre norte-americanos (e, em termos genéricos, ocidentais) e muçulmanos. Como afirmou o (ainda) vice-primeiro-ministro iraquiano Tariq Aziz, na obra “Iraque: a Guerra Permanente”, de Patrick Denaud, “Há vinte anos, um líder árabe que se apresentasse como amigo dos Estados Unidos seria admirado pelo seu povo. Dez anos atrás, ele seria visto com desconfiança. Hoje é visto com ódio.”



Como o II Reich dos Hohenzollern, os Estados Unidos da América são uma formidável potência bélica, industrial, intelectual e tecnológica.Tal como o Império Alemão, os E.U.A. procuram elaborar uma reinserção internacional do país baseada em parâmetros distintos e pautada no primado hegemônico da superpotência. Que se faça patente o fato de que não se trata de dominar o mundo. A weltpolitik da Alemanha guilhermina não tinha como objetivo a dominação do mundo, assim como não a deseja a Doutrina Bush. O mote central é o de reinserir o país – a potência - na dinâmica internacional com um conjunto de novas regras elaboradas pela potência e que se aplicarão a todos os demais membros da comunidade internacional. Aí reside a distinção entre hegemonia e dominação. Guilherme II almejava a hegemonia e foi interpretado, de forma errônea e proposital, como um déspota que ansiava pela dominação. Hitler, de sua feita, desejou dominar, e, por obra do hábil e sagaz Goebbels, soube maquiar a retórica da dominação nazista com o argumento da “hegemonia ariana”.



Os “neo-hohenzollerns” ianques do século XXI, qual seus predecessores, não pretendem encetar uma política global de dominação, mas sim uma hegemonia que se presume estável. É possível que Rumsfeld, Wolfowitz, Cheney e Bush tenham em mente um conceito hegemônico que é uma deturpação do postulado por Oran Young. O conceito de Young aponta para a existência de um “ponto ótimo da hegemonia”, ou seja, uma hegemonia nítida a ponto de ser reconhecida pelos demais atores e conduzir à evolução sistêmica da comunidade internacional, sem que se permita abusos discricionários e unilateralismo por parte da potência hegemônica. A diferença entre o argumentado por Young e o almejado pelos falcões é a de que, no entender de Washington, são eles próprios os legisladores internacionais, e a prestação de contas à sociedade internacional pode ser posterior à ação que requeriria consulta prévia e aval das instâncias multilaterais.



Os muçulmanos, de sua feita, encarnam uma versão tosca e desajeitada da Rússia czarista: juncados de riquezas naturais, abundância demográfica, instabilidade interna, governados por um regime arcaico e esclerosado e por lideranças munidas de propósitos escusos. Como a Rússia dos Romanov, os muçulmanos são militarmente inferiores ao seu oponente direto: a Alemanha dos Hohenzollern (in casu, os “neo-hohenzollerns” ianques). Como a Rússia czarista, dependem de investimentos diretos do “inimigo” para financiar seu desenvolvimento econômico, e suprem-no com matérias-primas. E, como os Romanov, os muçulmanos estão no flanco defensivo.



Os Hohenzollern foram destroçados pelos inimigos externos que integravam a Entente; os Romanov, pelo inimigo interno bolchevique. Na contemporaneidade, as circunstâncias genéricas são semelhantes: os Estados Unidos podem ser moral e ideologicamente arruinados por forças externas (grosso modo, quase a totalidade da opinião pública mundial) em função da ilegitimidade jurídica internacional de sua empreitada militar, porquanto a civilização islâmica pode ser vitimada pela própria instabilidade interna, pela falta de coesão intra-social, pela estrutura esclerosada dos regimes e dos líderes, pelos interesses escusos de certas elites, pela debilidade das instituições e em virtude da resistência à laicização do Estado. De tal forma, norte-americanos e aos muçulmanos podem muito bem ter o mesmo destino de seus predecessores histórico-comparativos e serem destruídos – não fisicamente, mas moral, ideológica e culturalmente – sem sequer gozarem da satisfação de ter destruído um ao outro.



Importa ressaltar, sem embargo, as conseqüências de ambos os desmoronamentos logrados em 1918: a ruína do II Reich resvalou contexto para a ascensão da Alemanha nazista, e o soçobrar do Império Czarista culminou na edificação do criminoso laboratório político que atendia pela alcunha de União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Lato sensu, as rupturas engendraram tanto o nazismo quanto o comunismo, ideários políticos incontestavelmente bárbaros e despóticos. Deve-se dizer, com efeito, que é improvável a ascensão de um regime totalitário na nação que primeiro implementou os postulados da democracia liberal e que tem seu cerne ideológico baseado na liberdade e no direito. Da mesma forma, é inconcebível a implementação na civilização islâmica de uma dinâmica de governo ainda mais arcaica e obscura do que a sustentada pelas vertentes fundamentalistas. Exemplos históricos, todavia, não são passíveis de análises lineares e inflexíveis. Raymond Aron dizia que “os pensadores pertencem a seu tempo mesmo quando o ultrapassam.”. É, pois, de se presumir que continuam pertencendo a seu tempo quando são por ele ultrapassados.



Ao termo, posta-se uma dúvida: sendo o corrente embate travado pelos Estados Unidos, Grã-Bretanha e alguns parcos aliados contra as vertentes fundamentalistas da civilização islâmica, em que pé permanece o Ocidente, e, em especial, a Europa? Os E.U.A. e seus aliados perfazem parte do Ocidente, mas não a íntegra do mesmo. Pois bem: arriscar-se-á uma hipótese. A Europa, no contexto, fará as vezes da Áustria-Hungria na Primeira Guerra Mundial. Eles deram início à encrenca, não suportaram o tranco e a pressão dos combates, reviram suas estratégias, mas, bem, deram o azar de estar entre os Hohenzollern e os Romanov.







Lindolpho Cademartori



















--------------------------------------------------------------------------------



[1] O interdito de Lombard, de 1887, determinou a proibição da negociação de títulos da dívida russa no mercado financeiro alemão.

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui