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Artigos-->Não havia trufas em Yorktown -- 02/05/2003 - 19:29 (Lindolpho Cademartori) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos






“ Os francófobos desmerecem a performance francesa na Segunda Guerra Mundial, e, de forma estúpida, se esquecem de que mais de cem mil franceses morreram nas mãos da Wehrmacht e da Gestapo antes mesmo que os Estados Unidos entrassem na guerra (...) Fossem as críticas feitas por eminências com conhecimento de causa, ainda se aceitava. Mas ouvir um tal Dennis Miller, aborrecido ator e humorista norte-americano, dizer que “A única maneira de a França entrar nessa (guerra) é dizer a eles que foram encontradas trufas no Iraque” já é demais. Miller deveria ser avisado de que não havia trufas em Yorktown.”











Ainda que se leve em conta a proverbial inabilidade francesa com o manejo de conflitos militares, convém frisar e analisar a deturpação moral e histórica que os francófobos vem urdindo a respeito da bravura pátria de Paris. Articulistas, políticos, jornais e revistas preconceituosos, ignorantes no que tange ao dinamismo histórico e responsáveis por uma leitura estreita e infantil da História contemporânea indagam, de forma cínica e jocosa, a seguinte pilhéria: “O que são cem mil franceses com os braços levantados?”, e, já irrompendo em gargalhadas, respondem “O exército francês!”. Em recente declaração a jornalistas, o deputado republicano Peter King disse que “A França bateu um recorde na II Guerra, com a rendição mais rápida de uma potência mundial.” Ledo engano: em 1940, a França não mais era o que se podia rotular de “potência mundial”.



Desde 1870 a influência geopolítica francesa vem diminuindo de forma acelerada, com alguns reveses forçosos de ascensão, em virtude de alianças, como a formação da Entente Cordiale, a quase patética tentativa francesa de fazer frente à Alemanha guilhermina em inicios do século XX, e, ao termo, a desastrosa estratégia pós-Versailles, através da qual a França tentou, apoiada no frágil e retórico idealismo wilsoniano, subjugar a Alemanha de Weimar através de escorchantes indenizações de guerra. Importa lembrar que os absurdos da chancelaria francesa em meados da década de 1920 – ocupação militar do Vale do Ruhr (em represália ao não-pagamento das indenizações de guerra por parte da Alemanha), postura irredutível em relação ao status jurídico internacional da Alemanha e constante policiamento das forças militares alemãs – foram, em grande parte, respaldados por aquele arremedo de multilateralismo inútil chamado Liga das Nações, e tão-logo a Organização virou letra morta e os E.U.A e a Grã-Bretanha passaram a se preocupar mais com a própria recuperação econômica interna e menos com os arranjos político-estratégicos da Europa continental, a Alemanha de Weimar afundou e a França agonizou com o padrão ouro.



Quando Hitler ascendeu ao poder na Alemanha, implementou o programa de rearmamento alemão (1934), retirou a Alemanha da Liga e remilitarizou a Renânia, havia pouco que o governo de Paris pudesse fazer. Some-se a isso a passiva política de apaziguamento de Chamberlain, o relativo isolacionismo norte-americano e a bizarra estratégia defensiva da França, iconizada naquele elefante branco imprestável que era a Linha Maginot, e tem-se as razões pelas quais os franceses não dispunham de outros métodos além da barganha passiva e da aceitação involuntária da supremacia nazista na Europa continental.



O que se seguiu é do conhecimento de todos: ocupação nazista entre 1940 e 1944, desembarque aliado na Normandia, libertação francesa das forças alemãs e estrangulamento genérico de toda a estrutura político-econômico-militar do Terceiro Reich. Ocorre, porém, que, para os “libertadores”, a dívida histórica da França para com os norte-americanos e britânicos é virtualmente irreparável. Com especial ênfase à conduta norte-americana, a dívida francesa é semelhante a um trunfo altruísta que uma mãe tem em relação a um filho: “Eu trabalhei por você, eu me dediquei a você, e, portanto, você me deve.” Presumivelmente, pelo resto da vida. O que políticos, colunistas, analistas e parte do establishment midiático norte-americano e britânico estão fazendo com os franceses configura, isso sim, uma injustiça histórica e moral. Nação alguma é obrigada a alinhar sua política externa à de outra em virtude de um fato histórico que culminou na libertação de um país por parte de outro.



Ademais, a posição da França em relação aos Estados Unidos nem sempre foi a de devedora. Os franceses, quem diria, já foram credores. A entrada da França na Guerra de Independência dos EUA, em 1778, ao lado das forças coloniais, constituiu fator preponderante no equilíbrio de forças entre a metrópole inglesa e os colonos americanos, e a participação das tropas francesas na derradeira Batalha de Yorktown, em 1781, pavimentou o caminho para a derrota inglesa e o reconhecimento da independência dos Estados Unidos da América, efetuado em Versailles, no ano de 1783. Dívida por dívida, os soldados norte-americanos que desembarcaram na Normandia em 6 de junho de 1944 estavam quitando um débito histórico de mais de cento e cinqüenta anos. Paris e Washington estão quites.



Malgrado as intrigas pseudo-nacionalistas entre franceses e norte-americanos, não se deve confundir a política francesa contrária à ação militar norte-americana no Iraque com um lampejo ético da Quai d´Orsay. A França é, ao lado da Alemanha, uma das potências dominantes da União Européia, e, assim sendo, é interessante (ou seria, visto que a queda de Saddam Hussein é uma questão de dias) para Paris que o Iraque mantenha o euro como moeda corrente nas operações de venda de petróleo, preservando a mudança feita em 6 de novembro de 2000, quando Saddam Hussein trocou o dólar pelo euro nas operações financeiras internacionais do Iraque. Que se compute, ainda, o intenso lobby que a Elf-Aquitaine e outras petrolíferas e companhias da área de construção civil têm feito junto ao establishment de Washington, procurando amenizar as trocas de farpas entre Chirac e Bush, e, naturalmente, conseguir um quinhão de participação na bilionária reconstrução da infra-estrutura iraquiana após a guerra. A estratégia francesa não reflete, portanto, qualquer altruísmo político. Além das vantagens econômicas, Paris tem em mente também a exposição política francesa e a reconquista da influência política da França. Tal aspecto foi soberbamente explorado pelo diário conservador alemão Frankfurter Allgemeine, segundo o qual a França “passou a reexistir politicamente” após a ferrenha resistência de Chirac no Conselho de Segurança da ONU em relação a uma ação militar no Iraque. Considerações políticas e econômicas à parte, prossigamos.



É curioso analisar a forma pela qual os franceses conseguem entabular rixas com todos os países que margeiam fronteira com eles. Os franceses esculhambam os alemães e os ingleses; belgas, italianos, suíços, espanhóis, ingleses e alemães se queixam dos franceses. Os “adversários” da França – no mais das vezes, munidos de ufanismos inofensivos – chamam a atenção para a inabilidade militar e estratégica francesa, bem como para seus esdrúxulos e desinteressantes conceitos de higiene; os franceses falam mal da culinária de todo mundo e dizem que qualquer coisa inventada além da Normandia e da Renânia é cafona.



Os francófobos desmerecem a performance francesa na Segunda Guerra Mundial, e, de forma estúpida, se esquecem de que mais de cem mil franceses morreram nas mãos da Wehrmacht e da Gestapo antes mesmo que os Estados Unidos entrassem na guerra, e que grande parte das ações aliadas na França foi possível por obra da espionagem informal dos heróis da Resistência. Desavisados e incautos, lembram-se apenas de Dunquerque, de Petain e de Vichy. Não há, de fato, uma Moral da História. Fossem as críticas feitas por eminências com conhecimento de causa, ainda se aceitava. Mas ouvir um tal Dennis Miller, aborrecido ator e humorista norte-americano, dizer que “A única maneira de a França entrar nessa (guerra) é dizer a eles que foram encontradas trufas no Iraque” já é demais. Miller deveria ser avisado de que não havia trufas em Yorktown.











Lindolpho Cademartori, 21, é acadêmico de Direito na Universidade Federal de Goiás (UFG) e colunista da Revista Autor (www.revistaautor.com.br). E-mails: lindolpho@brturbo.com e lcademartori@revistaautor.com.br









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