Por entre as barras da pequena cela, dois olhos fitavam-me, suplicantes, dolorosos. Olhos que me pediam a cura para seu sofrimento, que depositavam em mim todas as suas esperanças, como se eu fôra Deus ou um enviado direto daquele Pai que é feito de amor, segundo a Bíblia, mas que também determina ou permite que a morte ceife aqui e acolá, com sua foice afiada e infalível.
O que eu podia, todavia, fazer pela pequenina cadela, encerrada com sua dor atroz, seu olhar doloroso e sua cega confiança em mim, na cela do setor de isolamento do hospital veterinário? Apenas um nada banal. Podia apenas acarinhá-la, como tantas outras vezes já fizera, embora mais felizes, ambos; apenas chorar com ela e por ela a brevidade de uma vida de dedicação, ternura e amizade incondicional.
Talvez eu devesse tê-la abraçado fortemente, arrebatando-a daquele lugar de morte fria e indiferente. Talvez eu devesse ter implorado mais fervorosamente a algo ou alguém (Zeus, Alá, Deus ou até Visnu) para que concedesse saúde e vida ao bichinho que depositava em mim todas as esperanças de livrar-se das ânsias do fim iniludível. Mas, até mesmo em tal transe, não fui capaz de encontrar a fé.
Meus Deus, quanta impotência! Que agonia desesperançada! Ver fanar-se uma vida tão pura, tão pouco soberba, tão silente em sua dignidade animal!
Quanto lamento não ter em mim o condão da vida; a poção capaz de prolongar a existência de um ser tão pequeno, mas capaz de inspirar um afeto tão grande!
Ah, morte, por que me atingir assim, tão covardemente, tão implacável?! Por que voltar seus olhos sem órbita para um animalzinho a quem o pouco era sempre o bastante? Tão inofensivo, tão solidário!
Bem quisera aliviar teu sofrimento, Giló! Bem quisera trazer-te novamente para casa, embalar teus sonhos serenos e pueris nos meus braços que agora se quedam inertes, vazios, sem qualquer acalanto!
Por que se vão seres assim, indefesos diante de algo do qual nada sabem, mas que os levam a pagar o tributo universal, a fenecerem de forma tão dorida, tão brutal?
Tomara. Tomara que exista um céu para os pequenos cães, repleto de lagartixas e pedaços de bife. Tomara que seja um céu aonde você, Giló, poderá caminhar sempre na luz, a recompensa perene dos inocentes. Esteja em paz, cãozinho.
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