UMA CANÇÃO MONÓTONA
A natureza está escura, anunciando a chuva, o calor imenso. Ouço, começa uma sinfonia, antiga e suave. Anos e anos ouço esta cantilena, como sempre, suave como que anunciando a sua chegada, a chegada das chuvas. Pergunto, então: "Quando inventarás outra sinfonia para esta tua chiadeira, amiga cigarra? Tu não achas que esta tua canção já está ultrapassada e monótona? Que dizes, jovem?" "Ultrapassada e monótona, a minha canção, amiga?" "Sim, é tua canção de todos os dias, todos os anos, todos os séculos e séculos, não?" "Como? Minha canção?" "Sim, a tua canção de todos os dias, todos os anos, todos os séculos e séculos!" "Meu amor, meu anjo, inúmeras vezes te tenho visto à sombra desta linda árvore copada, muito verde, com tua bela namorada, que é teu grande amor... e nunca te ouvi dizer outra coisa, que as de sempre, nem ouvi linda canção em tua linguagem." "Meu amor, meu amor, tu dizes meu amor". A amiga cigarra responde: "Sim, é verdade, pois deves saber que, nós cigarras, fazemos sempre outro canto, e bem mais forte, no sentido de chamarmos a companheira lá da outra árvore; e digo-te através disso, com muito amor, que a amo, enquanto ela, apaixonadamente, me responde que também me ama e, por certo, virá me visitar. Ouça, meu jovem amigo: antes que viesses com teu amor, outros pares de jovens amantes aqui estiveram sentados à sombra desta frondosa árvore e das suas ascendentes. Sempre procuro ouvi-los, para melhor entendê-los. E todos eles nunca disseram outra coisa senão meu amor... meu amor... meu amor". "Contou-me, outro dia, esta linda palmeira, e outras irmãs suas, que em anos bem remotos nesta praça estivera sentado aqui, à sombra de suas ascendentes, um casal muito feliz e todo sorridente". "E que dizia esse casal, amiga?" "O mesmo que tu dizes agora, ou seja, meu amor... meu amor... meu amor". "Acredito que você está certa", respondeu o jovem. "Quando amamos verdadeiramente, o coração fala. Não são necessárias muitas palavras, basta uma só. E quando o coração fala muito alto, basta o silêncio pra dizer tudo. Nós, cigarras, cantamos quando estamos com saudade e longe uma da outra. Calamos, sim, quando perto uma da outra. Ao contrário, vocês, humanos, falam até quando estão juntos. Parece que amamos mais do que vocês, pois, quando estamos juntas, quase sempre nos calamos". "Amiga, cigarra, que estranha maneira de pensar, que estranha filosofia de vida! Mas tu tens razão, em parte. O amor, quando sincero e profundo, só precisa de um olhar, um sorriso, pra dizer tudo, que é preciso que se diga. Basta uma única palavra e o silêncio para que o amor atinja o zênite". Sabes tu, amigo, que o sol não canta? Por que as flores vivem silenciosas? Por que o céu, tão azul, é mudo?" "Explica-me, amiga cigarra". "É porque eles se amam tanto, e são tão apaixonados, que qualquer palavra diria menos do que diz o silêncio. Eles se amam, sem dúvida. Contudo, amam ainda mais um Ser eternamente vasto de ternura, que não lhes permite falar, para que não perturbem a sinfonia do amor". `Sim, amiga, acima de nós há este Ser incrível, que à s vezes nos torna mudos de amor. Nós, seres humanos, cantamos e calamos por amor a Ele".
Após esta longa conversa, nossa amiga cigarra cantou, cantou a sua canção, chamando seu amor, com sua canção monótona, sua enorme paixão, causando no mundo um vasto silêncio poético, fazendo com que pensemos, enfim, a vida, em seu eterno sentido de amor.
|