O inventário de seus destroços é o melhor poema de Robinson Crusoé. Retorno a essa idéia de G. K. Chesterton porque não vejo melhor diante do inventário deste ano que se finda. É impossível fazer-se o inventário completo de um dia ou um ano. Mais fácil, portanto, fazer dos seus destroços. E mais importante. Essencial. O que sobrou, o que não pereceu é o que realmente interessa.
Álvaro Moreyra diz que nos recordamos com saudades do passado, mesmo que então tenhamos sido infelizes. É uma felicidade o próprio ato de recordar. Nada, quando lembrado, é jogado fora.
Queremos desesperadamente lembrar, mesmo que o excesso de memórias nos sufoque. Como aconteceu com Funes, o Memorioso, de Borges, que lembrava cada palavra, cada nuvem, cada folha de árvore. Mas Funes era um personagem de ficção. A Borges interessava-lhe a memória, como parábola do tempo ou do próprio universo.
Queremos desesperadamente lembrar, como se esquecer fosse uma doença terrível. Como se o Alzheimer nos atacasse em cada pequeno esquecimento, no mínimo desvio de atenção.
O que sobrou de 2008? O que é importante desse ano que passou? A nossa memória é falha, lembramos as coisas próximas, as mais risíveis ou pitorescas, Ã s vezes as que mais nos fazem sofrer. Por que não falar do que houve de positivo? De tudo que construímos neste ano?
Abrir os olhos à luz, respirar o ar puro, sorrir, alimentar-se, sentir o fluxo da vida. O dom da vida, a beleza da vida, essa graça é salva do naufrágio sublimemente. Nem percebemos que o próprio ato de viver faz parte do inventário de tudo de precioso que salvamos, que levamos para o próximo ano. Deus seja louvado pela vida e pela morte, que nos faz sentir mais vivos, que nos faz sentir mais precioso o dom de viver.
Levamos a vida para o ano que se inicia. A vida é o que permanece.
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"O velho está morrendo!", lamentava meu pai todo final de ano. "Quem?", todo mundo perguntava, como se a piada fosse nova. A piada era nova.
Rei morto, Rei posto. Feliz 2009 para todos!
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