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Cartas-->Morte no Interior -- 24/12/2004 - 16:45 (Elane Tomich) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Minha querida amiga,
Ando sumida sim, mas ontem, quase liguei para contar as últimas... São raras as pessoas com quem quero falar e você é uma delas.
Um pouco menos raras as com quem falo, pois não dá pra tirar, no susto da esquina, os "bons dias", "apareço sim" e os "meus pêsames". Esta sim! A grande expressão do maior acontecimento do interior:
É que por aqui morre-se muito de perto, de "sei lá", ou causa desconhecida, esta, uma verdadeira epidemia.
Claro que a morte assim tão escancarada gera, além da grande festa de confraternização que é o velório, todo um ritual em volta: os telefonemas, os detalhes sobre as causas e efeitos do fato...
.. e o defunto, enfim, tem sua vida escancarada, manuseada como um livro aberto:aparecem as dívidas, amantes, as virtudes e principalmente as safadezas. As manias e hábitos mais triviais ganham muito em prestígio fascínio no esquife de todos, variando apenas, segundo o grau de poder e notório saber do falecido. A escala de um leve sadismo sobe uns dois
Expostos a um cochicho público como, por exemplo, " dizem que ele não tirava a dentadura nem pra dormir e eu bem que desconfiava", seguido do sussurro da constatação, mil vezes ditas, mil vezes não entendida "pois é, tudo pra acabar assim, a gente não vale nada mesmo".
Estes fatos movimentam bastante o comércio local, gerando divisas para o município.Cresce bastante o consumo de pinga, produto básico, nobre e democrático, liquido que ganha fácil da lágrima nos primeiros cem minutos de sentimentos rasos.
Deve ser por isto, que o morto, morre com um esgar de esfinge, verdade final adquirida ou dor? Sarcasmo ou aviso? Parece mais um "vocês que se danem!".
Não escrevo com ironia, mas com certo respeito pela filosofia de buteco, atmosférico-pegajosa, que ganha as ruas e espalha um visgo invisível, sem discriminação de paralelepípedos, asfalto ou lama, deixando mais lento o andar das pessoas.
Daí um certo aumento de rodas de papo no meio das calçadas, atrapalhando alguns alienados transeuntes apressados. Todos falam muito, baixo e repetem duas ou três frases.
Ganha de longe do "Conceito de Angústia" de Kierkgäard, por sinal muito chato.O livro e, dizem, o autor também. Parece que deixou de cometer todos os sete pecados óbvios que dão sentido à vida para poder "pensar".E haja besta pra acreditar, pois a gente mal pensa até quando vive...
Minha amiga, desculpe-me a fofoca, o fuxico, a enxeridice. É que fui em dois velórios esta semana e tem dois que estão ó, ali,ali, no quase-quase.
Éééé...
Tanta verdade me assusta, não engata bem no meu academicismo barato e não combina com as riminhas que faço para me esconder atrás das palavras.Descobri que sou uma pessoa sem graça e sem assunto e invejo a desenvoltura das minhas primas que circulam com belas roupas nestas ocasiões e sabem descrever os detalhes de alguma moda nova de indumentária, ou modelito.
No mais, acho que a morte no interior é que é morte de verdade. Mesmo a matada é morte morrida, pois tem um porquê, conforme os desígnios da natureza e acima de tudo, de Deus. Nada tem a ver com o estelionato de vidas, devido a guerras fabricadas, ou balas perdidas.
Por tudo isto, acho que a morte no interior, é um bom produto de exportação: original, artesanal, apreciado e gerador de divisas, inclusive para alimentar nossos corações carentes.Quem sabe merecesse mais apoio de Ongs e instituições que nos ensinassem a morrer cara a cara com a gente, coroando com dignidade a vida.
Mesmo assim, não me acostumo com tanta verdade e sinceramente, gostei mais assistir a morte de presidentes bonzinhos, pela televisão e já preparando a pipoca quando soava o esperado som do plantão do Jornal da Globo. Lembra-me, muito sutilmente o início dos seriados nas matinês de domingo .
Só não entendi até hoje, porque o choro de "populares",atrás do cordão de isolamento,desaba com tanta força, após a indução da resposta esperada, que vem de qualquer jeito, ou a repórter deixa o sujeito na maior sem-graceza, olhando silencioso pro microfone e pra repórter até o bichim entender que tem de chorar. Isto é o que eu chamo de efeitos especiais.
No mais, minha amiga, sinto-me sem lugar, inquieta como cachorro sarnento.
Nossa, como me fiz só ! Acho que vou me esconder numa caverna.
Beijos e saudades,
Elane

Teófilo Otoni, 10 de dezembro de 2004.

PS: Você não se importa?
Caprichei tanto na digitação que mandei cópia para uns poucos "cartófilos"e pra Ana Suzuki por no trem dela , se gostar, pois lá a gente pode falar de emoções.
Mais uma vez, saudades.

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