Usina de Letras
Usina de Letras
63 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62245 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10450)

Cronicas (22538)

Discursos (3239)

Ensaios - (10372)

Erótico (13571)

Frases (50643)

Humor (20033)

Infantil (5441)

Infanto Juvenil (4770)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140812)

Redação (3308)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6199)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->Viagem de amargar -- 07/07/2001 - 15:46 (Felipe Cerquize) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Seis horas da amanhã. As pessoas que estão na fila são quase todas as mesmas. Todos à espera de que a porta traseira se abra para começar o sufoco. De repente, aparece quem menos se esperava que fosse aparecer pontualmente: a cobradora (o sexo feminino vem se sobrepondo nessa profissão). Com a força dos seus braços, ela consegue abrir a porta, pondo-se a serviço dos usuários. Aí, tem início a desgraceira: quando entro e mostro a ela a nota, com a qual desejo pagar a passagem, a mulher imediatamente saca uma caneta, retira um daqueles malditos talões e, no verso, escreve que me deve o troco. Aceito aquilo, mesmo sabendo da possibilidade de esquecer o que me é de direito, depois de mais de uma hora de viagem. Depois disso, procuro um banco para me sentar, verificando que todos estão imundos, como sempre o foram antes de os passageiros os utilizarem na primeira viagem do ônibus. Tenho eu, então, de conseguir algum pedaço de papel para tirar o grosso daquela imundice e, assim, sujar menos a minha calça.

Seis horas e dez minutos. O ônibus de seis horas sai com um desses motoristas que, para mostrar que vai recuperar o tempo perdido, entra “quente” nas curvas, para impressionar os menos observadores, sendo esse o momento em que alguns passageiros observam que as calhas dos vidros do ônibus estão, na sua maioria, cheias d’água, que começa a cair em cima deles, estando eu, inclusive, nesse rol.

Para suportar o tempo de viagem, alguns lêem jornal, outros dormem, tentando recuperar o sono atrasado, e uma menor parte olha com um olhar vazio pela janela, imaginando, talvez, uma possível galinha no almoço. O tempo vai passando e o ônibus superlotando até atingir a fuzarca. Quando o coletivo chega à chamada Vila do Alvoroço, aparece a primeira “barreira”, que nada mais é do que um fiscal que entra no carro para garantir a ausência de caronas. Rouba cinco minutos dos passageiros e sai dando uma pancada na lataria, o que significa que o motorista pode prosseguir. Continua a viagem. Passamos por mais dois bairros e, quando estamos quase chegando ao terceiro, aparece outro daqueles chatões para molestar a vida dos passageiros. Sim, outro fiscal. Dessa vez, entra pela porta da frente e vai pedindo o talão de cada passageiro, para a comprovação do pagamento da passagem. O ônibus prossegue sua viagem, com o fiscal dentro, até chegar o bairro seguinte.

Sete horas e dez minutos. Todos se apresentam enfurecidos e incomodados, tanto os que estão com o pé doendo quanto os que estão sentados, começando a sentir dormência em algumas partes do corpo. No horizonte, surge o prédio da Companhia Estadual de Água e Esgoto, prenúncio de mais uma barreira, a pior de todas. Ali, os fiscais, que entram pela porta traseira, repetem a dose de seus colegas da Vila do Alvoroço, isto é, contam o número de passageiros que não passaram pela roleta e rabiscam um número equivalente de talões no talonário da cobradora, impedindo, assim, que ela permita a viagem gratuita de alguém. Não raramente, eles prejudicam a profissional, rabiscando um talão a mais, que ela será obrigada a pagar com o seu próprio dinheiro. Aqueles que entram pela porta dianteira procuram as pessoas que estão vestidas com uniforme de cobrador ou motorista, pedindo documentos que comprovem a profissão e, caso não os tenham, são convidados a se retirar.

Sete horas e vinte e cinco minutos. Os chatões saltam do ônibus e o motorista ameaça sair com o carro, quando, de repente, se ouve um estalo no motor, que pára de funcionar. O ônibus enguiçou, aumentando ainda mais a desgraceira. Depois de um “puta que pariu” bem alto, vindo de um passageiro e recebido prazerosamente por todos, as pessoas vão para a calçada, à espera de outro coletivo, que demorou cerca de quinze minutos e acabou sendo invadido pelos pagantes e pelos não-pagantes. Lá fomos nós, outra vez, pela avenida. Eu estava inclinado, no meio da condução, esperando que chegasse o meu destino. Muita falação, muita pichação, mas nada de chegar a minha hora de saltar.

Sete horas e cinqüenta minutos. Já estávamos próximos à Penha, quando começou o último dos martírios: o engarrafamento. Se eu já estava com vontade de fuzilar meia dúzia de pessoas e dar uma furada no olho do motorista, ali piorou o desejo. Rezei, falando para Deus que eu não merecia tamanha tortura, mas, mesmo assim, o trânsito permanecia estático. O ônibus andava dez metros e parava cinco minutos. Após algum tempo, finalmente, o expresso passou a trafegar em marcha contínua, porém lenta. Dei um sorriso desangustiante, quando avistei o McDonald’s. Estava perto do meu ponto. Fui pedindo licença aos usuários, conseguindo chegar à porta do maldito veículo. Nem puxei a campainha, pois falei diretamente ao motorista que iria ficar no ponto seguinte. Ele olhou-me com a cara meio emburrada, mas felizmente, era seu dever parar. Quando ele parou, saltei todo contente, olhando ironicamente para os passageiros que costumam ir além de mim. Depois que o ônibus estava bem longe, o sangue subiu-me à cabeça: lembrei-me que a cobradora do carro enguiçado havia ficado com o meu troco e eu estava sem dinheiro para voltar.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui