O Supremo retoma amanhã o julgamento sobre Raposa Serra do Sol. A questão de fundo é uma só: índio pecuarista precisa de uma área contínua superior à de alguns países? E índio universitário? E índio comerciante? E índio empresário? E índio operário? E índio motorista? Pois essas são algumas das profissões e atividades daqueles que moram na região. Em suma, não fosse por alguns traços genéticos, eles são tão índios quanto eu e você, leitor amigo. Estão completamente integrados à economia capitalista e gozam de todos os benefícios e malefícios da "nossa" civilização. Aquele comunismo edênico e aquela visão, como direi?, telúrica de mundo só existem no poético relatório do ministro Ayres Britto. É pura fantasia. Uma fantasia perigosa, que tem um potencial sangrento.
Reservar uma área gigantesca à queles "índios", onde haverá verdadeiros vazios populacionais, superiores aos de hoje, é uma piada de mau gosto, que só poderia ser contada por antropólogos do miolo mole, que ainda sonham com o comunismo primitivo. Expulsar os arrozeiros da região - eles ocupam apenas 0,7% da reserva - corresponde a dar um golpe na economia do estado. O arroz que produzem é considerado fundamental pelo Ministério da Agricultura no abastecimento da Região Norte.
Não tenho muita esperança de que o STF vá rever a tal "reserva contínua", embora ela seja uma estupidez. Espero é que haja bom senso dos senhores ministros, reconhecendo, ao menos, que há por lá terra o bastante para abrigar os ditos índios e também os fazendeiros. Ademais, a área contínua, com a expulsão de não-índios, é uma reivindicação apenas de um grupo, que, oficialmente ao menos, representa apenas 7 mil dos estimados 15 mil índios na região - nem isso se sabe direito: os números variam de 12 mil a 17 mil. E que índios levam essa bandeira? Aqueles ligados aos "índianistas" da Igreja Católica e regiamente financiados pela Fundação Ford.
Há outras questões envolvidas - vejam no arquivo: já escrevi muito a respeito. Mas me parece que o essencial é considerar que se trata de uma estupidez tratar índios que vivem rigorosamente como os "não-índios" (há até os pobres e os ricos, viu, ministro Ayres Britto?) como se fossem seres primitivos que ainda vivessem da caça, da pesca, da coleta e da plantação de mandioca.
A Funai e seus antropólogos tratam índios do Século 21, com celular e laptop, como se fossem aqueles primeiros seres descritos na carta de Pero Vaz de Caminha. É um delírio. Que pode ter, insisto, consequências sangrentas.