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cronicas-->O JACARÉ DO TATUAPÉ -- 07/12/2008 - 21:03 (JOAQUIM FURTADO DA SILVA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O JACARÉ DO TATUAPÉ

Olha eu ali de novo, no cantinho mais abrigado da Padaria Canoas, na formosa São Caetano do Sul. Era domingo e dia de São Sebastião, o segundo deste milênio.
Todas as vezes em que olhava para o meu lado esquerdo, deparava-me logo com o cigarro preso entre os dedos do cidadão calado que chegara primeiro ao cantinho abençoado - o único espaço naquele estabelecimento de lanches onde os fumantes se desoprimem. Lembrei das imagens conhecidas do poetinha (Vinícius de Morais): a bebida sobre o balcão, o cigarro a consumir-se em lenta combustão, preso entre os dedos. O homem, calado, lia uma página da revista `JÁ´.
Não recordo como iniciamos nosso papo. De repente estávamos os dois travando bom diálogo a respeito do assassinato do prefeito de Santo André - Celso Daniel. Difícil fora apenas quebrar o gelo, desembestamos os dois a conversar em demorada maratona até o minuto em que ele esvaziou sua quinta garrafa de cerveja e saiu em direção contrário à Utinga, para um bairro do qual não sei o nome.
Foi dele, Ricardo Sérgio, que escutei a estória do Jacaré:
"-O Tatuapé chorou a morte do Jacaré e quem póde declarou feriado no bairro."
E quem era esse homenageado, indaguei: -Quem foi o Jacaré?!
"Não se sabia o seu nome. O Jacaré era Jacaré, parece que, desde antes de ingressar na carreira de bebum. E o seu vestibular para a nova vida se deu na forma de duas provas semelhantes, pelas quais passou em menos de um mês. Antes disso, era um rapaz trabalhador e, apesar de solteiro então, ainda gastava a maior parte das suas noites em casa. Dos pais recebera bons princípios de formação, pautava-se por eles, caminhava sem os desvios das ruas e becos.
"Ao chegar à casa, certa tarde, deparou-se com a mãe (esteio de seus princípios morais) praticando o coito com um homem estranho, em plena sala... Estremeceu. Voltou. Foi para a rua. Caminhou até as primeiras horas da noite. Retornou à casa. Dormiu mal. Com o tempo esqueceria o incidente - pensou.
"Quase um mês se passara. Esqueceria...
"Retornava do trabalho para a casa como em todos os dias. Entrou na casa, enveredou pelo corredor. `Plaft´ - sentiu-se cambalear, tal o impacto do choque. Pela porta entreaberta, viu o sorriso nos lábios de sua irmã. E viu também, atrás dela, o mesmo estranho que ali estivera dias atrás.
"No bar da esquina, um copo cheio não foi suficiente para abafar a dor desconhecida. Outro copo e mais outro seguiram-se. E não retornou à casa naquela noite.
"Abandonou o emprego, a responsabilidade, os princípios morais. Voltava para casa, ainda, apenas vez por outra, não para estar com a família, mas na busca de um conforto físico para o corpo embriagado, quando este já não suportava a posição vertical... e somente até o momento em que Morfeu novamente o entregasse a Baco, que lhe curaria a ressaca física com outras doses do mais proletário dos entorpecentes. No torpor físico buscava o embotamento do espírito - ansiava por afastar da consciência as últimas imagens capturadas pelas retinas no teatro familiar.
"Por algum tempo, póde arcar com a despesa do álcool-lenitivo de cada dia. Depois, passou a aceitar a bondade de fregueses mais equilibrados, que se acostumaram a aceitar a sua presença que não lhes era incómoda. Gradativamente, passou a fazer pequenos favores àqueles em troca dos goles de aguardente.
"Ao cabo de algum tempo, ganhou a confiança de todos nos arredores. Dormia dentro dos veículos de um ou outro morador e onde estava nunca era molestado, como, de resto, também jamais lançou mão de qualquer objeto deixado no interior dos veículos que lhe confiavam.
"Com tantos anos passados, tornou-se ícone no Tatuapé. O Jacaré era mais conhecido no Tatuapé do que o próprio dirigente municipal. E, por óbvio, muito mais amado pelo povo do seu bairro, o seu povo, a sua nova família...
"Pois é, no dia que o Jacaré morreu, o povo decretou feriado no bairro.
Depois de repetir sobre o singular feriado do bairro paulistano, Ricardo Sérgio esvaziou o quarto copo de sua quinta garrafa - repito eu aqui também - pagou ao português e com passos equilibrados rumou para a casa, onde o deveriam estar aguardando esposa e filhos.
Era dia de São Sebastião. Meu primo, Zé Branco, não tinha tempo de prestar atenção à conversa dos fregueses e então fiquei sozinho até saciar a minha sede de apenas três cervejas. O dia seguinte não seria feriado... seria, dia de branco.
© by Escrivão Joaquim. São Paulo, janeiro de 2002.,
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