Usina de Letras
Usina de Letras
146 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62220 )

Cartas ( 21334)

Contos (13263)

Cordel (10450)

Cronicas (22535)

Discursos (3238)

Ensaios - (10363)

Erótico (13569)

Frases (50618)

Humor (20031)

Infantil (5431)

Infanto Juvenil (4767)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140802)

Redação (3305)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6189)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
cronicas-->Medicina de pai para filho -- 25/11/2008 - 14:57 (paulino vergetti neto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Medicina de pai para filho



Quando se trata de Medicina e de Literatura, bem que minha memória é deveras amiga. Remeto minha alma e meu coração aos oito anos de idade e encontro o doce olhar de minha mãe me indagando o que eu gostaria de ser quando fosse adulto. Eu lhe respondia cheio de felicidade: médico e professor! Os anos se passaram e eu fui me acostumando com essa assertiva e tornei-me médico nos idos de 1982. Um estudante esforçado, filho de pais de classe média, mas apaixonado pela vida e buscador de esperanças. Fui ao Rio de Janeiro especializar-me em oncologia e depois dei um pulinho à Europa para completar minha especialização: passei pela Itália e pela Alemanha. Hoje, passados vinte e seis anos, ponho-me a refletir sobre minha caminhada profissional.
Minha filha Izabella resolveu seguir a profissão do pai. Faz o sexto período de Medicina. Encontro-a, muitas vezes, com um sorriso escancarado como se o sonho que eu tinha àquela época houvesse a contagiado positivamente. Eu a olho e incentivo seu sonho. São duas gerações que se encontram nalguma paragem de suas caminhadas; de um lado estou eu com o olhar caloso de certas desesperanças e, do outro, ela e sua docilidade, catártica até, para a graduação que enfrenta com muito sabor áulico. Levei-a certa vez ao meu consultório e engendrei uma maneira simplória de mostrar-lhe o outro lado da Medicina. Ela viu pacientes pobres portadores de cànceres, os mais diversos. Não se abalou com o retrato vivo da moléstia e soube acariciar a fronte de várias criaturas à sua frente. Vi nos olhos de minha filha que neles estavam os meus de ontem, quando eu não sabia que esta profissão, apesar de ser de um valor absolutamente nobre, é tão pouco reconhecida pelo Estado brasileiro. Um médico luta contra a morte de sol a sol e sobrevive com salários miseráveis e uma jornada árdua demais de trabalho.
Perguntei-lhe qual a especialidade que desejava fazer; sua resposta foi lacónica. Disse-me as que não gostaria de fazer, mas apostou no desejo de tratar crianças e jovens. E então eu percebi que a sua alma era parecida com a minha, que ela alimentava a intenção de tratar as raízes dos males, ainda no comecinho da vida. E achei-me na obrigação de regar essa sua esperança inda menina, mesmo sabendo eu, após duas décadas e meia de formado, que a Medicina não põe mais sobre os ombros de quem a exerce os louros do passado, quando a honradez e o amor ao próximo não viviam distantes do profissional.
Um país só se torna imenso na proporção em que oferta aos seus médicos e professores um tratamento diferenciado, no sentido de não lhes permitir o acesso face às dificuldades do cotidiano.
E neste Dia do Médico, o que um pai médico poderia dizer a um filho graduando-se na mesma profissão? Para responder a mim mesmo, eu tive que refazer, dentro do profundo do meu ser, todo o caminho desde a infància até hoje. Reolhei nos olhos de minha saudosa mãe, revi o olhar de orgulho do meu velho e saudoso pai, as alegrias e tristezas do caminhar até hoje. Há um flórido caminho seguido e tantas histórias que não poderiam ter existido. Mas fazer o quê? Nem só de pão vive o homem. A realidade atual do médico brasileiro não lhe é justa. A correria desleal, as dificuldades no acesso à pós-graduação, o difícil acesso ao emprego público, os péssimos salários, o descaso do Estado para com a profissão, o futuro incerto dos que hoje estão se formando, a desvalorização social do profissional, o despreparo dos recém-formados dadas as péssimas condições do ensino de grande parte de nossas faculdades etc.
Mas eu preciso acreditar que um novo tempo é chegado, quando os esforços têm de ser redobrados e o médico, como os outros profissionais da área da saúde, deve ser reposicionado socialmente, porque trata seres humanos. Um médico deve ganhar bem, trabalhar humanamente e receber todas as condições dignas de trabalho sublime como o é o que ele exerce.
E hoje eu me vejo diante de uma delicada tarefa para com minha filha Izabella que, diante dos meus olhos, representa todos os acadêmicos de Medicina, tendo que ofertar uma palavra de amizade e de esperança. Mudar é preciso e globalmente. Humanizar-se a profissão é imperioso. Devemos ver no paciente o ser humano que nos oferece o gemido da dor estranha; devemos retribuir com o carinho manso da efetivação do milagre diagnóstico-terapêutico e da palavra amiga. O médico, assim como o sacerdote, deve andar na estrada luzidia de Deus; enxergar no ser humano o outro lado de sua própria vida e saber que tratá-lo com amor e dignidade é uma obrigação profissional.
E nós, profissionais maduros, cujas estradas já foram longamente trilhadas e os desafios já se enraizaram, devemos regar a semente nova de amor ao ofício e o seu redirecionamento de atitudes onde deverão existir o exercício profissional humanizado.
Ser médico é exercer o amor dativo nas 24 horas do dia. É ceder mais do que receber, aprender driblar as injustiças e, diante delas, depreender lições alvissareiras. Mas, porém, contudo, todavia, exigir das autoridades constituídas o zelo para com o trato da profissão. O Estado deve construir um olho novo e mais humanizado e enxergar no profissional médico um trabalhador nobilíssimo, promovedor da saúde pública, encantador de almas.
Izabella trilha essa luz nova; concretiza um sonho que poderá levá-la a um mundo assistencialista, transformado. Hoje essa luz nova ainda bruxuleia, mas promete farolear e em pouco tempo.
E, nesta crónica, eu decidi registrar a minha mais pura esperança, alimentar o meu mais doce desejo de poder ainda ver brilhando, no olhar de minha filha Izabella, o sonho feito realidade dos olhares de todos os outros acadêmicos doutorandos e recém-formados. O mundo se renderá à chama humana e digna do exercício profissional de vocês, e o médico voltará a ser o semideus de outrora quando se tratava de coração para coração e, o que era mais difícil, sem a tecnologia fantástica de que dispomos hoje.
Desde as indagações de minha saudosa mãe, passando por toda essa cruzada difícil de 25 anos de profissão, até as recentes dificuldades - via-crúcis - cabe-me reolhar com distinto prazer e dizer de mim para mim mesmo que a trajetória não foi de tudo inglória e há o que comemorar na fidalguia da alma e no perfume santo do trabalho vencido e do resultado mostrado. Se você, minha filha, amar esse sacerdócio como seu pai a ama, tudo será ajardinado em seu caminhar que hoje é ainda mais de sonho, mas que amanhã será doutro colorido enfeitado de realidade. Em seu nome e no nome da própria esperança, saúdo os novos pretendentes da arte das curas e de cá fico com minhas orações a pedir a misericórdia de Deus para nos fazer salvadores de vida e encantadores de almas. Feliz Dia do Médico a todos os que lutam por tão nobre causa, usando pelo espírito o dom da cura, transvestido numa profissão sacrossanta.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui