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Cronicas-->É Doce Morrer no Mar -- 17/11/2008 - 16:31 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O sol crestava as folhas da palmeira que balançava ao vento marinho e ele, do alto de seus 13 anos, olhava fascinado o horizonte onde bandos de gaivotas dardejavam o mar em busca dos peixes que tentavam escapar das redes dos barcos pesqueiros que afluíam à costa, nesta época do verão. Ele sabia dos pesqueiros e sabia da chegada dos marujos nas horas iniciais da noite, quando vinha a maresia e o cheiro das redes adornadas dos mais diversos tipos de criaturas do mar: Ouriços do mar, estrelas enormes, lulas e águas marinhas que fosforesciam ao simples contato. Os marujos pegavam os peixes graúdos e devolviam o que podiam ao mar jogando de volta as criaturas sortudas que ainda viviam depois do arrastão.

--Veja isto aqui.

O marujo de cara queimada e barba por fazer apontava o ouriço, com seus espinhos danados de afiados apontados todos para os seus olhos. Era uma vacilada e os espinhos entravam profundamente na carne, arrancando um dolorido gemido.

--Esse é dos bons. Do tipo que entra e não sai mais da pele. Tem amigo meu desse aí, da luta, que já morreu de infecção.
--É?
--É, menino. Pois é, espetou, não arretirou, Iemanjá levou.

Ele, o menino, sempre quis saber quem era Iemanjá. Só soube dela pela boca dos marujos, entre uma pescaria e outra, quando o céu carregava e muitos se persignavam antes de entrar no mar pois sabiam que dali poderia vir uma das grandes tempestades que açoitavam a costa nesta época de verão.

--Iemanjá? Ah, ela é uma moça danada de bonita. Tem olhos claros, um cabelo crespo cheio de conchas do mar e suas mãos são macias...carinhosas...e ela canta às vezes de maneira tão linda que arrasta um bobo consigo para o fundo do mar também, mas esta é outra estória, menino.

Lá ia seu mestre dos mares e ele olhava ao longe o barco do Mestre Chico que é como lhe chamavam os companheiros de luta. Ele sabia que Chico era uma espécie de líder, sempre lutando por melhores condições de vida, sempre escolhendo os melhores lugares para vender seu peixe. Ele era querido, o Chico e os olhos do menino acompanhavam seus movimentos decididos no mar, ele próprio aos poucos formando consciência de seu próprio talento, sempre anotando os bichos que via, colecionando conchas, desenhando os estranhos monstros que a escuridão do mar revelava. Certa vez ele viu brotar do meio da rede um animal que tinha grandes olhos e nadadeiras como velas de um barco. Ele desenhou e mostrou a Chico.

--Eita moleque arretado de bom. Vai desenhando, porque logo, em seu tempo, você vai é estar aqui dentro, enfrentando feras maiores e mais monstruosas que esta aqui. Ah, sim, se vai! Conheço um dos nossos, você, menino, vai ser dos bons.

Era tudo o que ele queria, assim sentado, vendo o sol crestando as folhas da palmeira na beira da praia, vendo chegarem os barcos: O absurdo da luz que chapava tudo em mil cores, misturado ao cheiro do mar e o suave marulho das ondas a baterem no ancoradouro, fazendo estranhos ruídos que lembravam sons guturais, estranhamente musicais à beira da calçada onde ele se sentava e observava o horizonte delineado da costa, aqui um barco, lá um cargueiro estranhamente silencioso, acolá o farol do fim do mundo.

Naquela noite, ele teve um sonho, um sonho onde os monstros do mar saíam e vinham para a terra, num lento caminhar medonho, espargindo suas escamas venenosas em pessoas tão inocentes que ele mal sabia dizer quantas eram, ele sonhou que o barulho do mar era cavo, escuro, enviesado, do tipo que quando queria ameaçava a vida dos que dele tiravam proveito. Ele acordou num grito, sufocado pelos olhos dos monstros marinhos, ligou o abajur e viu seu desenho e do lado, Iemanjá, numa representação de beleza que lhe fora dada pela sua professora que o instigava a procurar a sabedoria nos lugares mais improváveis, sabedora dos poucos recursos que oferecia ao seu pupilo talentoso.

Foi ali que ele soube que Chico havia sido levado por ela, Iemanjá. Nunca a perdoou porisso, mas Chico lhe falou sobre ela e ele sabia que das manhas de uma mulher, qualquer homem pode sofrer e ela, muito malvada, às vezes judiava sua cria. Enfim, Chico nunca mais correu pelas águas de sua sonhada praia e ele ficou órfão, mesmo de pais vivos. Para compensar sua tristeza, ele desenhava furiosamente, os barcos, os monstros, os peixes, as casas à beira-mar, fazendo retratos, desenhos de pastel, pinturas de guache, rabiscos de carvão. Ele se pegava retratando a família de Chico, repartindo sua dor de quase filho com os olhos daquela mulher que ele via, impávida, levar os pequeninos para olhar o mar, numa derradeira esperança de que ele voltasse para sua família, num pranto seco e mudo que seus olhos captavam e suas mãos velozes plasmavam em esculturas, em vasos, em pequenas obras de arte que tomavam forma. Ela, a esposa de Chico, ela mesma o confortava, vendo seus olhos marejados quando olhava as secas palmeiras crestadas de sol a pino, sem mais um ai ou menos um dia.

Quando ele partiu, já artista de renome e olhou para trás, viu a vila ao longe, de um barco cheio de cores berrantes, pleno de sua arte e explodindo de tesão pela vida. Respirava o ar renovado de sua vivência, estava acompanhado pela companheira que ele escolhera para viver sua vida, um fotógrafo registrava os últimos momentos dele em sua terra natal.

Ele até achou que foi impressão, mas um pequeno barco ladeou a costa e , ele acha, de lá, que as mãos de Mestre Chico lhe desejaram sorte.

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