A genialidade não deixa de ser uma condição interessante para um seleto grupo de seres humanos. Conviver com seus exemplares, coisa difícil. Os gênios enxergam o mundo além do mundo e deles mesmos. Recriam dentro de si antes mesmo de quando os outros comuns ainda pensam. Os grandes nomes desse círculo mostraram muito bem por que são diferentes e absolutamente necessários à humanidade. Em Alagoas, um desses raros exemplares está quiescente porque sua saúde começou a sentir o peso quase secular do corpo físico. Chama-se Dr. Ib Gatto Falcão. Tive o prazer de com ele conversar por várias vezes e conhecer um pouco de suas grandes idéias, as postas em prática e algumas outras mais.
Ninguém neste Estado construiu tanto como este gênio. Seu olhar buscador de desafios esteve sempre antenado com o resto da civilização. Em certas horas, sua emoção, também genial, permitia-lhe exceder e, com isso, incomodar interesses díspares do seu e nem sempre tanto assim. Ele defendeu tão exaustivamente as suas idéias que se esqueceu de que os outros eram apenas de carne e osso. Dr. Ib Gatto viveu dois tempos distintos: o que pensava e o que efetivava seus sonhos. Um vivia ao lado do outro numa proximidade sacrossanta. E, sem dúvida, dois homens: um dentro da alma do outro.
Os que conviveram com ele em sua fase jovial dizem que ele foi um tufão conquistador e denso nos romances que regou no peito. A cultura foi seu principal alimento; a política uma forma de estar mais perto da efetivação de suas melhores idéias. Ocupou no Estado e fora dele, cargos exponenciais. Talvez tenha sido um dos médicos alagoanos que mais brilharam dentro e fora de Alagoas. Um filho ímpar, uma genialidade a ser cultivada por seus seguidores e pela sociedade como um todo, principalmente a confraria dos intelectuais ativos.
Comparo os bastidores da intelectualidade do Dr. Ib Gatto Falcão a um vulcão em plena e constante erupção. Discutir com ele o ritmo e a cor de suas idéias é engrandecedor. Não conheço uma memória tão esplendorosa como a sua. Talvez se aproxime dela a de um outro gênio alagoano conhecido deste mortal simplório, Dom Fernando Pughliesi.
Há coisas na vida de um homem que não podem ser comparadas com nada que há aqui na terra. Quando eu olho para o homenzarrão encostado à sua bengala luzidia, remeto ao seu passado, ouvido dos livros e de seus amigos mais velhos, colho tudo e arrumo nas folhas isoladas dos romances e da poesia que escrevo e fico a pensar: sua biografia, de que cor será mostrada? Qual o tamanho, hoje, de sua história, a gravada em áudio e em vídeo? Nada pode perder-se da saga dessa genialidade que come feijão com cultura e arroz com educação. Ele construiu suas próprias idéias, engendrou um horizonte privado ao seu olhar para que seus passos se tornassem ilimitados.
Arestas aparadas, lembranças polidas, máculas - quaisquer delas - apagadas e apenas o coração a ditar as palavras elogiosas a esse monstro sagrado da terra das Alagoas. Se a natureza está a limitar o poder do seu corpo senil, suas idéias ela irá trancafiar no baú da imortalidade genial. Um exemplar como ele é raro na espécie humana e, como "Avis rara", ele deverá ficar dentro de nós representando muito.
Lembrá-lo ainda com vida é um dever de todos, além de cívico, humano. Sua obra ficará ao lado de sua imagem firme, complexa ao entendimento dos ouvidos dos que apenas o ouviram sem vê-lo em sua completude genial. Dr. Ib Gatto Falcão honrou o tempo que usou para viver com suas idéias e passar para um novo horizonte ainda maior do que a sua própria vida aqui na terra entre nós, esses outros meros carnais. Se eu pudesse, juro, daria vida eterna a esse monstro sagrado da sabedoria, para que, entre nós, seu perfume genial inspirasse mais descobertas ainda. Uma vida que valeu a pena ter vivido. Desejo-vos, ó grandioso mestre, muita paz e luz no resto do vosso caminhar por aqui. Honrastes o vosso tempo no tempo de todos nós.
