Há muitos e muitos anos, numa terra não muito distante, havia um rei muito taciturno, que fazia da tristeza uma parte inseparável do seu ser. Sua vida era penosa e seus súditos não sabiam o que fazer para agradá-lo, pois, apesar de triste, ele era um governante muito justo. Seu povo nunca passou fome, graças às suas distribuições perfeccionistas de renda. Desde o camponês até o nobre de sua terra, todos comiam sempre do bom e do melhor. Apesar de tudo, ele não se sentia feliz, chegando, às vezes, a cair em prantos, tamanha a angústia que o interiorizava. Estava faltando alguma coisa naquele paraíso que o tornasse realizado, mesmo sendo o seu reino cumpridor de todos os direitos humanos, ainda não declarados naquela época.
Um dia, estava cabisbaixo, sentado no seu trono, quando um guarda real anunciou-lhe que havia um mercador no portão do palácio. O rei perguntou qual era a mercadoria a ser vendida e o guardião disse que o negociante havia feito mistério, falando, apenas, que eram produtos jamais vistos no reino. Limpando uma lágrima que lhe escorria pelo rosto, ordenou a entrada do sujeito. Ao ficar diante do monarca, o comerciante curvou-se e anunciou-lhe o fim de suas tristezas. Conhecedor das melancolias que o afligiam, disse ter na sua cesta o remédio certo para o problema. Percebendo a sinceridade nos olhos do mercador, o magnânimo perguntou-lhe o que poderia haver ali, a ponto de fazê-lo alegrar-se um pouco. O vendedor, sem qualquer comentário, abriu a cesta e causou o maior espanto. Dentro dela só havia pedaços de papel dobrados, sem função aparente. Desfranzindo a testa, o rei quis saber do que se tratava e o homem pediu-lhe para que retirasse um daqueles papeizinhos dobrados, abrisse-o e lesse-o. Curioso, o soberano pegou um dos referidos pedaços de papel e desembrulhou-o. Dentro, encontrou a seguinte mensagem: “Surre pelo menos um súdito por dia”. Olhou horrorizado para o homem, olhou para a cesta, pegou outro bilhete, abriu-o e lá estava: “Cobre altos impostos e prenda na masmorra aqueles queiram protestar”. Magoado, o monarca disse que jamais seria capaz de fazer coisas daquele gênero, mas tanto ele insistiu para que tentasse, mesmo que fosse num cachorro vira-lata, que, para não ter no homenzinho ganancioso uma pessoa tão triste quanto ele, resolveu fazer o teste. O carrasco eleito foi para a rua com os dois, pegou um cachorro de porta de açougue, amarrou-o numa árvore e pôs-se a espancá-lo, espetá-lo e queimá-lo com ferro em brasa. Depois de algum tempo, o soberano implorou para que o torturador parasse, senão iria morrer de tanto rir. O carrasco parou imediatamente e o vendedor, satisfeitíssimo, falou que possuía muitas outras maldades daquele tipo e que, assim, o magnânimo nunca mais iria ficar triste. O rei chegou à conclusão de que era exceção de uma regra que não poderia ter exceções. Tornou o mercador seu braço-direito e, a partir de então, passou a sentir a felicidade n’alma, distribuindo a desigualdade e a injustiça para todo o seu povo.
Obviamente, depois de alguns meses, naquele país, surgiram os primeiros conspiradores, os primeiros traidores, os primeiros republicanos, o primeiro golpe, o primeiro contragolpe, a primeira revolução, os primeiros enforcados, os primeiros democratas etc etc. Mas esta é uma outra história.
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