A luta contra a balança é muito desigual. Ela
fica lá o dia inteiro quieta à espera que apareça
um gaiato que suba para que ela possa dar seu
veredito. Em segundos dá seu resultado e não
aceita recurso, se diz soberana em sua análise.
Gordinhos e gordões que se danem. Simplesmente
indica o peso, quer o cliente goste ou não. As
balanças são antigas e ainda não absorveram a
máxima que diz que o cliente tem sempre razão.
Também não dão desconto.
Dizem que não examinam cor, credo religioso ou
partido político, mas não estou tão certo. Duvido
que uma balança do PT não alivie a barra do Lula
e até recomende uma cerveja a mais.
Na realidade algumas balanças evoluíram,
absorveram a tecnologia digital. Algumas até
foram alfabetizadas e além de números já
escrevem. Algumas absorveram os modernismos que
lhes pareceram convenientes e até cobram do
consulente, como uma cartomante. Mas não aceitam
gorjeta e continuam implacáveis, em nenhuma
hipótese mudam de opinião. Eu conheço uma
balança gordinha destas mais modernas que
inclusive fala. Constrange os clientes divulgando
o resultado com volume maior que o necessário.
Uma balança falante deve diminuir o volume na
medida em que o peso do cliente aumenta. Para os
casos mais graves deveria cochichar. Mas esta é
muito escandalosa e se o cliente reclama ela
retruca na hora, bate boca, chama de bolo fofo e
outras coisas. Uma baixaria.
Pesei e está pesado. Próximo.
Eu e Inajá mantemos uma no banheiro já há mais de
duas décadas. É uma destas mais simples, modesta
mesmo, comprada quando casamos. No início ela até
que se comportava bem. Depois veio a rotina, o
tédio e ela começou a ficar ranzinza e
trapalhona. Ficou fofoqueira também, deu para
contar o meu peso para Inajá. O dela ela não
conta, imagino que por solidariedade feminina ou
simplesmente porque o peso é baixo. Não sei se é
porque nunca a levamos a passear e ela se sente
muito só lá no banheiro. Mas, convenhamos, quem
leva balança para passear? Não sei se ela está
cansada, mas não creio que possa realmente
reclamar, pois trabalha uma ou duas vezes por
dia, quando muito. Muito chata esta situação e
ela não fala qual o problema. Como adivinhar?
O fato é que não sei o porquê, mas já faz algum
tempo que ela tenta me fazer de bobo.
Naturalmente, consegue. Se me peso hoje e ela
acusa X, amanhã ela informa X-1. Fico contente
mas no dia seguinte ela apresenta X novamente.
Imagino que só pra me gozar. Alguns dias chega a
apresentar X+1 e até mesmo X+2. Naturalmente, não
é o caso de revelar o valor de X, até para não
ficar desagradável revelando intimidades tão
íntimas. Se insistirem vou contar a história de
um furúnculo. Melhor deixar assim.
Tem épocas em que começa a aumentar e abusa tanto
da minha boa fé que me faz sentir culpado. Como
resultado, paro de comer por uns cinco ou seis
minutos. Depois me dou conta que ela deve estar
brincando comigo e me vingo. Retalho.
Discretamente a empurro para baixo do armário.
Dou um tempo para ver se entende que não pode
ficar me gozando desta maneira. Deixo-a lá uma
ou duas semanas. Quando volto ela já está mais
calma e apresenta já uns X-3
para compensar. Mas é por pouco tempo, no dia
seguinte começa tudo de novo.
Não sei, de minha parte estou pronto para perdoar
as falhas destas balanças que andam por aí, desde
que elas fiquem mais comprometidas com a verdade.
