Usina de Letras
Usina de Letras
161 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62210 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10450)

Cronicas (22535)

Discursos (3238)

Ensaios - (10356)

Erótico (13568)

Frases (50604)

Humor (20029)

Infantil (5429)

Infanto Juvenil (4764)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140797)

Redação (3303)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6185)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Cronicas-->A METADE DA VERDADE -- 13/10/2008 - 21:45 (Umbelina Linhares Pimenta Frota Bastos) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A METADE DA VERDADE

De repente eu a vi , ereta e esguia, olhar perdido, completamente indiferente,
Recostada naquela rocha secular como se fizesse parte daquele mundo ou mais um dos tantos seres inanimados existentes no lugar.
Causou-me assombro a sua presença ali pelo acesso difícil da região inóspita, maior a minha surpresa pelo apuro de seu traje .
Apesar da posição graciosa em que estava, parecia displicente e tão imóvel qual esfinge ou figura mitológica. Tão real quanto irreal, mais sonho do que mistério, mais espanto do que certeza.
De início pensei que fosse uma miragem, mas, acabei constatando que ela realmente existia.
Aproximei-me mais um pouco devagar e parei a certa distancia . Primeiro para admirá-la, depois, para descobrir a melhor maneira de abordá-la sem provocar constrangimento .
Aos primeiros passos, pisei num ramo seco que se quebrou fazendo um barulho maior do que o esperado . Fitei-a rapidamente esperando por uma reação, mas nada, Permaneceu indiferente e imóvel tal como à vira no momento instante .
Já sem tanto cuidado e cada vez mais curioso em descobrir que outras surpresas, aquele ser de aspecto delicado, que me pareceu tão indefeso, me reservaria. Caminhei a passos largos e com um sorriso aberto na esperança de receber uma boa acolhida.
Quando já me encontrava bem perto dela, parei. Ela teria que se voltar, me olhar, se surpreender ou outra coisa qualquer,
Porém, nada . Permaneceu alheia e indiferente como hipnotizada pela paisagem a sua volta.
Fiquei confuso e já não podia prever a melhor estratégia para o momento. Optei pelo ataque direto. Cheguei em sua frente à mais ou menos um metro de distància e repeti essa tão desgastada frase - Oi tudo bem ?
Como se já esperasse ou soubesse da minha presença ali e com um olhar indecifrável respondeu num tom vazio .
___ Se para você está tudo bem ...
Por mais preparado que eu estivesse para uma reação estranha, aquela foi a mais inesperada. Tentei então uma comunicação natural e bastante espontànea . Tentei saber como fora parar naquele lugar desabitado . Como antes, no mesmo tom vazio ela disse

___ Você também está aqui .
Disse-lhe que eu era ecológico e que estava muito preocupado com a depredação daquela bonita região. Ela pareceu não ouvir ou não se interessar pelo que eu disse .
Andei um pouco à procura de uma coisa que me ajudasse na montagem de minha improvisada habitação, mas sempre sem deixar de olhar para ela , que nem sequer se movia, parada daquela maneira¡ que, se não fossem os cabelos agitados pelo vento, parecia feita na pedra.
A certa altura, já irritado, com aquela companheira enigmática, resolvi falar como se tivesse lidando com alguém igual a mim e disse
___ Eu estou desolado com a destruição que o homem é capaz de provocar. O Mato Grosso em si é um Estado pouco desenvolvido mas por ser rico em paisagens belíssimas, dono de uma fauna e flora como bem poucos tem , atraiu muita gente que aprecia a natureza como também os predadores que exploram suas riquezas, destruindo sem nenhum pudor, o que poderia ser levado a gerações do futuro. Dói-me ver uma árvore cair, um rio ser poluído e a extinção das espécies. Fala-se tanto da falta de conscientização dos governantes, mas, cadê contigente humano e recursos materiais para proteger tão vasta área ? Isso sem falar das demais riquezas naturais do país . É preciso conscientizar o homem, desenvolver nele o respeito à natureza .
Calei-me e esperei, qualquer palavra que viesse completar ou mesmo contrariar o meu ardoroso argumento, mas nada. Creio mesmo que ela sequer ouviu uma palavra do que eu disse .
Percebi então, que fazer perguntas como, por exemplo. Quem era? Como viera parar ali ou se pretendia demorar-se no local ? Era inútil . Ela não responderia com certeza. Desisti .
Decidi, que dali em diante, viveríamos lado a lado como se cada um de nós fosse uma pedra qualquer, desprovida de qualquer meio de comunicação ou, necessidade fisiológica ou, de qualquer espécie e que tivesse relação com os seres vivos. E assim permanecemos .
Já na hora do sol se pór, ela pegou uma pequena sacola e dirigiu-se a uma mata bem próxima de onde estávamos .
Como ela estava demorando resolvi ir à sua procura .
Havia acabado de banhar-se e vestia um tipo de macacão impermeável, de um branco quase translúcido, que naquele corpo perfeito qual obra prima criada por mão de exímio escultor . Voltou ao lugar de antes, o mesmo silêncio e ignorando a minha presença, como se eu não existisse.
Hoje, lembrando a nossa curta convivência, percebo que mesmo naquele ser alheio e indiferente, houve um brevíssimo momento em que pude captar um efêmero brilho de vida em seus olhos. Foi nesse dia após o banho, e colhi apenas um lampejo de algo, que na brevidade daquele instante , ela reviveu. Foi um curto de recordação, de amor, quiçá de saudade .
Foi no exato momento em que ela fixou o olhar no pór do sol, que naquele dia, como que criado por mão invisível, foi mais belo e o mais triste que eu já vi . Era como um grito de alegria e dor, um misto de mágoa, angústia e felicidade . Também foi só , e seus olhos voltaram a ser frios.
Ao anoitecer, ela pegou alguns alimentos naturais que devia ter levado consigo, comeu um pouco e colocou sobre uma pedra ao meu lado uma pequena porção . O que era de soja seca, cevada e um outro cereal , por mim desconhecido. Depois , foi até uma amoreira selvagem , comeu alguns frutos , entrou no saco de dormir e adormeceu como fazem as crianças , doce e serenamente . Mas , sobre seus olhos , mesmo depois de fechados , pairava um véu de tristeza , deixando claro que , mesmo adormecida , a dor morava em seu coração .
Por mais dois dias a situação permaneceu inalterada . Porém , ao despertar no terceiro , percebi que algo havia mudado .
O saco de dormir , que já me acostumara a ver a meu lado , não mais estava lá . Nem ele , nem qualquer outra coisa que provasse que ela realmente existira .
Senti o mundo girar ao meu redor e uma dor , que antes me apertava o peito e, que a princípio me parecia não ser física , agora devia ser , porque lágrimas rolaram dos meus olhos fazendo desaparecer a maravilhosa paisagem que se descortinava a minha frente /
De repente meus olhos se voltaram para a pedra onde algumas vezes , ela colocara uma porçãozinha de alimentos para mim . Sobre ela uma folha de papel presa por um pedaço de cascalho que guardava ainda um pouco de suave perfume , dizia
___ Eu tive dois grandes afetos . Um homem e uma mulher . A ele eu amei da maneira mais profunda e mais intensa que um homem pode ser amado . E a ela , com o mais puro e sincero amor com que se ama uma filha ou uma mãe . E um dos dois mentiu .

Eu sei apenas a metade da verdade . A outra só eles à conhecem .
Acredito que o meu coração de mulher já tenha intuído o restante da verdade , mas , se absteve por saber que não resistiria ao confronto com a realidade . Fiquei só , com essa amarga parte que me coube . Mas perdi a capacidade de conviver , crer e até mesmo me comunicar com o restante da humanidade . Feliz é você à quem dói ver uma árvore cair , as aves desaparecerem ou até mesmo um rio morrer . Feliz é você que ainda acredita na conscientização do ser humano , porque essa crença , eu já perdi . E assinou Sueda .
Soube naquela hora o que deve sentir um pára-quedista quando o pára-quedas não abre .
O medo , a incerteza , o desejo desesperado de alcançar o incalculável tomou conta de mim .
E garanto à você , que aquela espécie de gente , transformando-se em pedra , sem que nenhum de nós soubesse , se tornava dona do meu coração .
E hoje , por mais que seja a minha dor , eu aprendi que eu me apaixonei por aquela mulher esfinge . É possível que a gente se apaixone por uma estrela do céu e até mesmo o mar .
Peguei novamente o papel que ela deixou . A única prova de que ela estivera ali , a única que realmente constava que ela existira .
As lágrimas brotaram dos meus olhos e embaralharam-se com as letras do que ela escrevera . E, ai sem querer , eu percebi que o seu nome , Sueda , lido de traz para frente , formava a palavra adeus .
Quem seria ela ? Quem a teria magoada tanto ? Quem transformara aquele ser humano em mais um pedaço de rocha cristalizada ?
As respostas para essas perguntas eu continuo a buscar em cada cabelo longo que o vento agita , em cada corpo de ninfa e . em cada olhar indecifrável que o acaso cruzar com o meu .



Umbelina Frota - escritora ,poetisa - presidente da Academia de Letras, Ciências e Artes de Inhumas
Crónica premiada pela Accademia Internazionale II Convivio - Poesia prosa e arti figurative . Itália . / 2008

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui