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Infantil-->História de um outro Saci Pererê -- 22/04/2001 - 17:57 (Claudia Sanzone) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Mariana morava numa casa de grades brancas e muro cor-de-rosa. A rua era de subida não muito íngrime e ficava no subúrbio. Quase não passava carro por ali. Uma das esquinas, a mais próxima, ficava a três casas da de Mariana. E era justamente na curva que havia uma loja de animais. Os olhos castanho-esverdeados da menina brilhavam atentos a cada novo bichinho que chegava para a venda.

Pele branquinha, cabelos muito lisos de um castanho bem claro e corpo de menina... Mariana. Mês passado, mais um primavera. Agora já eram sete! Aqueles dois dentes incisivos definitivos bem maiores que os demais, que eram de leite ainda, destoavam harmoniosamente naquele rostinho de boneca. Alegre e inteligente, Mariana amadurecia tranqüilamente pelos dias da sua infância, já quase pré-adolescência. A rotina era a velha conhecida escola-casa-escola-casa.

Todos os dias o tio Gilberto, o moço da van, passava ao meio dia e meia para buscar a mocinha. Já que o carro vinha de cima da rua e demorava sempre uns cinco minutos em frente à casa do Paulinho, um molenga, sobrava tempo para uma corrida até a lojinha. Mariana costumava encostar a mochila no muro, prendia as alças naquela viradinha do desenho da grade e seguia rapidinho até lá. Só que nesse dia caía uma chuvinha fina e a marquise da loja foi providencial. Afinal, o tio Gilberto não se importaria de descer só mais um pouquinho e pegá-la ali. Melhor levar a mochila junto, então.

Tudo parecia como ontem naquela casa que vende animais. O cãozinho peludo, branquinho, de olhos pretos e nariz cor de chocolate era o mesmo. O ratinho de bolotas marrons e bigodinho cinza também não tinha sido vendido. Mais uma olhadela e ... Um peixinho preto! O olhar que espiava vazio, concentrou-se. O dedinho que brincava com a ponta do cabelo foi à boca num gesto de espanto. Como era esquisito um peixe preto. A maioria era vermelhinho ou amarelo, mas aquele dali parecia uma mancha. Uma coisa sem olhos, sem desenho. Não se via nada! Até que ele era esperto... mas preto! Que cor! Estava sozinho e ninguém ia comprar um peixe assim.

Tio Gilberto chamou Mariana duas vezes antes que ela entrasse na van. No caminho ela foi pensando naquele peixinho. Ficou lembrando de umas piruetas maluquinhas que ele fizera. Mesmo preto, ele era divertido. Ela não teve compaixão por ele. Gostou daquele jeitinho de peixe serelepe, mas a cor...

Às dezesste e quarenta Mariana retornava da escola. Sua mãe talvez estivesse lá pra dentro e isso significava nova oportunidade de escapulidela até a esquina. Antes que ela pensasse em evitá-lo, seus olhinhos quase verdes miravam o tal peixinho. Ao lado do aquário, o preço. Não era caro, mas os peixes precisam da água pra respirar e nada feito se não hover um aquário. Este sim, era caro. Comprando aquele monte de coisinha que se põe lá dentro, então.. Nem se fala!

A mesinha perto da janela no quarto da Mariana foi o local escolhido para comportar o aquário. Saci Pererê parecia muito à vontade. Mantinha as mesmas piruetas que fazia na loja, se escondia na pequena gruta de mentirinha e nadava, nadava pra caramba. Aquela presença, com o passar dos dias, não se transformou num capricho de menina. Mariana punha diariamente os três floquinhos finos da ração e tinha sempre a preocupação de enfiar o dedinho no aquário para sentir como andava a temperatura da água. Seu termodedômetro era infalível. Se fosse seguido de uma testa franzida de preocupação num dia quente, significava que umas pedrinhas de gelo precisavam mergulhar ali. Quando a água parecia gelada nos dias mais frios, uma lâmpada bem pertinho do aquário resolvia o problema.

A luz da manhã batia por dentro do lar do Saci e atravessava-o fazendo um semicírculo de várias cores sobre a mesa. Era apenas uma miniaturazinha de arco-íris. Também, o aquário não era nenhuma piscina e o peixinho não era um golfinho. Além de tudo era preto, só que isso já não tinha mais importância. Em cima da mesa, o filhote de arco-íris dançava e mudava de cor à mercê das nadadinhas do Saci. A persiana da janela fazia um barulhinho suave quando tocava de leve na borda do aquário.

Um dia, pela manhã, o aquário estava sem movimento. Aquele corpinho negro de visgo brilhante flutuava inerte na superfície da água. Saci parecia desmaiado. Estava desmaiado sim! Não poderia ser outra coisa. Agora, só mesmo um bom veterinário para dar jeito nele.

Na sala de espera da clínica veterinária havia uma moça magrinha esperando a alta médica do seu gatinho que tinha ficado bom de uma doença de gatos. Perto da porta de entrada estava uma senhora com uma cachorrinha branca e preta de rabinho cotó. Mariana sentou-se com cautela numa cadeira de madeira enquanto aguardava a sua vez. Acomodou cuidadosamente o aquário no colo. As pessoas estavam comentando que o doutor dali era muito bom. Sempre salvava os bichos. Se ele era bom mesmo, talvez soubesse de uma fórmula com uma água ideal para peixes desmaiados, uma água especial que servisse de UTI para o Saci.

Chegou a vez de Mariana com o Saci. Ela explicou com naturalidade o que acontecera, comentou dos cuidados que dispensava ao peixinho e aguardou resposta. O veterinário pediu que a menina deixasse o animalzinho por lá e que ele ficaria internado. Sugeriu que Mariana retornasse no dia seguinte e que ele iria fazer o que estivesse ao seu alcance para tentar salvar a vida do Saci.

Dentro da clínica veterinária esquentava uma discussão. O peixinho foi um ser vivo, estava morto e a morte faz parte do curso natural da vida. A garotinha poderia perfeitamente suportar essa perda. Afinal, o Rei Leão pai morre e a mãe do Bambi idem. Mesmo o Walt Disney, com toda a sua genialidade e sutileza, não omitiu a morte nos seus filmes. Crianças vêem o mundo de um outro jeito e nas suas cabecinhas ainda não existem os fantasmas daquela dramaticidade bem criada da cabeça dos adultos. Tudo lhes parece mais natural.

Pode ser. Talvez nem sempre as crianças sejam imunes ao sofrimento. Muitas choram com a morte da mãe do Bambi e com a do pai do Simba. Tomar conhecimento de que Papai Noel não existe não é uma descoberta das mais agradáveis. Não se deve mentir para uma criança, diz a regra. Porém, será que vale a pena ser cúmplice e mensageiro de uma realidade triste em nome da boa conduta de só contar a verdade? Viver sem ilusão, de poucas mentiras, que seja, não necessariamente torna alguém mais feliz. O sofrimento nem sempre dignifica e amadurece o homem.

Mariana voltava ao veterinário. Ontem, quando vinha pra casa, tinha que obrigatoriamente passar em frente à sua lojinha favorita e ela observou que mais cinco peixinhos pretos estavam à venda. Já hoje, quando seguia em direção à clínica, reparou que só havia quatro. Por uns instantes ela supôs que o quinto talvez tivesse sofrido do mesmo desmaio do Saci. Continuou andando.

Pronto. Saci estava são e salvo! Aquele veterinário era bom mesmo! Deve ter passado a noite inteirinha dentro de um laboratório testando fórmulas de águas diferentes até que fabricou uma que salvaria o seu peixinho.

Quase chegando em casa com o aquário nas mãos, Mariana entrou na loja. Precisava avisar ao moço do balcão que se o quinto peixinho ainda estivesse desmaiado, poderia se tratar naquela clínica com aquele veterinário inteligente. Engraçado... o moço disse que ninguém desmaiou - nem bicho, nem gente - e que o veterinário daquela clínica havia comprado um daqueles peixinhos pretos ali mesmo na loja, bem de manhãzinha.
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