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Cartas-->Carta aberta ao suposto -- 06/10/2004 - 01:00 (Sirlei ) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Carta aberta ao suposto



Procurei por você em tudo que vi ou tive. Na manhã orvalhada, te senti

entre os dedos úmidos dos meus pés. No dia ido, te pressenti na minha pele,

quando sob a luz cáustica do sol, e à noite, te vi esgueirando-se por entre as

estrelas nuas.

Quando a chuva deitou seu pranto sobre o invisível, vi nos teus olhos

claros as gotas como lágrimas quebradas. Quando o vento açoitou o trigo

maduro, foi tua mão que imprimiu o gesto, e quando o vento tocou meus

lábios, ouvi teu sorriso partido nas palavras sussurradas.

E pensando em tudo com tanta saudade, meu coração ficou pequeno

para tanto amor.

Lembrei-me de quando dançávamos, sob a luz da lua, Danúbio Azul. Meu

corpo inteiro cingido pelos seus braços dançava no teu compasso, nos teus

passos. E respirávamos tão ávidos e juntos que sua boca respirando na minha

boca, sugava um pouco da minha alma. Você se lembra?

Mas tudo isso é passado.

Agora, olhando para o fino cigarro entre os dedos, único fio que me liga à

realidade, penso: sou só pensamento. E tanto, que fiz do filtro a trama da

peneira, de onde colhi o derradeiro suposto. Supus, não era.
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