Estamos em pleno século vinte e um, na metade do ano de dois mil e oito, acompanhando uma esplendorosa superação das capacidades humanas nos jogos Olímpicos de Pequim. A quebra de recordes e de paradigmas é uma evidência no mundo esportivo, hoje globalizado pela tecnologia midiática.
Também vivenciamos o período eletivo para Vereadores e Prefeitos. Gente há que roubou, surrupiou, corrompeu, mas não estão impedidos. É a tal de "presunção de inocência", na qual muitos se escondem, por lerdeza da justiça.
Na fala de Lázaro Dias, a prosa anuncia: "Cá pras banda do manguzá, / vivemo época de eleição. / Num sabemo em quem votá, / pois que há muito ladrão."
Nesses tempos de escolha, vale a pena recordar a história de Lampião:
Aos treze dias do mês de junho de 1927 - um dia de Santo António - Lampião e seu bando começam o assalto a Mossoró. Dessa vez, a resistência, muito bem construída pelo Prefeito Rodolfo Fernandes, sairia vencedora, afugentando a malta cangaceira.
Onze anos depois, em 28 de julho de 1938, na fazenda Angicos, no sertão de Sergipe, a volante do Tenente João Bezerra e do Sargento Aniceto Rodrigues da Silva surpreendeu o Capitão Virgulino Ferreira e seus cabras da peste com fogo cerrado de metralhadoras portáteis, dando fim ao maior bandido do cerrado nordestino.
"Virgulino escreveu com sangue a sua história de líder do cangaço no Nordeste, mas, ainda assim, foi o bandido mais admirado do Brasil, considerado por vezes, um nobre salteador; gerou telenovelas, livros e filmes. Muitas destas obras dão glamour e misticismo a um herói-bandido". (Wikipédia).
Em "A Marcha de Lampião" - Editora Universitária, 1980 - Raul Fernandes assim o define: Diferente dos cangaceiros que lutaram por um ideal, à procura da justiça, Lampião viveu de roubos. Extorquia dinheiro à s vítimas sob ameaça de morte. Matador frio. Servia de encomenda. Caía de surpresa nas fazendas e nos povoados. Incendiava. Fazia reféns. Torturava. Saciava os instintos e desaparecia. Na vastidão da caatinga era difícil encontrá-lo. Lutava o suficiente para escapar-se. Vates populares davam-lhe poderes demoníacos. É do poeta Zabelê:
Te esconjuro capeta, / Desses nunca ouvi falá, / Se enturva pelos caminhos, / Ora aqui, ora acolá, / Mode que é assombração. / Esse tá de Lampião, / Que ninguém sabe onde está.
Não conheceu o mar. Seu mundo foi o sertão bravio, de taboleiros infindáveis e plantas grosseiras de raízes agarradas à s pedras e ao chão estorricado, nas secas alongadas. Cafuso, quase preto, rijo e agressivo. Imprimia pavor. Era a própria morte - imagem da natureza! Zabelê o retratou:
Era brabo, era marvado / Virgulino, o Lampião / mas era prá que negá / Nas fibras do coração, / O mais perfeito retrato / Das caatingas do sertão.
Lampião era ladrão de verdade; era home respeitado. O banditismo era seu mundo, nele viveu e morreu. "Com sua morte, a paz voltou ao sertão. Foi, de fato, o último cangaceiro. O mito da invulnerabilidade do `Rei do Cangaço´ desapareceu. O Nordeste festejou a bravura dos homens a serviço da lei. (Oliveira, Aglae Lima de.)
No entanto, o cangaceirismo serviu à politicagem dos mandatários, que os apoiavam, dependendo do interesse do momento. "O Coronel tinha forçosamente de manter certo número de cabras armados, a fim de garantir-lhes a propriedade e assegurar-lhe a liderança política" (Irineu Pinheiro).
Paradoxalmente, o bandoleiro era, dessa forma, elemento imprescindível, na defesa da legalidade. Além dos Coronéis, compunha o cenário do cangaço o Coiteiro, indivíduo que fornecia proteção aos cangaceiros. Arrumava alimentos, fornecia abrigo e informações. Havia-os de todo mote: religiosos, políticos e até interventores.
Acabou o cangaço, mas não a gatunagem. Os políticos continuam a usar os mesmos expedientes, onde, para a conquista do poder, todos os meios são lícitos. Às escuras, embrenham-se os novos coiteiros da modernidade. Já não sabemos distinguir os Sinhós Pereiras, os Jararacas, os Massilons, os Sabinos Gomes, um Lampião de verdade.
Agora grande mistura há; estão travestidos. Escondem-se nas falcatruas, esgueiram-se nas impunidades, é sanha de gente má.
Valei-me Nossa Senhora! / Êta tempinho bão! / É Lamp, é Lamp, é Lamp, / Saudades de Lampião!