Eu vou-me embora. Não posso mais ficar!
Sei de cor cada olhar e cada passo, cada palavra que virá das bocas e que baterá em meus ouvidos.
Ai!... a tristeza das cores desses cenários sempre iguais!
Quando acordo, nas insípidas manhãs, abro os olhos, levanto-me, mas nada vejo, não caminho que não seja com o mesmo andar...nada ouço além da rotina das horas bebidas, lentamente, pelo relógio, entre o ir e o vir, lento, de um pêndulo torto que vai e... volta, que nunca deixa soar as badaladas do tempo de amanhecer...
Não suporto mais!...
Tudo o que se me defronta persiste no escorrer dos anos e é a única coisa que continua a me fazer sentir viva. E por que será que eu ainda sonho e grito? Porque sonhando e gritando eu tento me explicar. Explicar porque os lares são apenas um cruzamento de estradas. Uns já não ouvem os outros, e o apelo que ilumina e aquece vem de lá...com toda rudeza e toda ternura.
Já não agüento mais pensar!...se é que penso...
Vou-me embora, vou fugir com a vida!
Vou implorar a ela que espere por mim...Será que dará tempo? Ela não costuma esperar por ninguém...
Milhões de barcos indo-se ao mar! De velas soltas a todos os ventos...vogando ao acaso...Largados do rumo, sem timoneiro ...Quero ver o mar enraivecer e não ter porto nem abrigo, apenas a minha vontade como leme... Quem me acende um farol?...
Não vou resistir ...estou tão cansada! Vou-me embora!
A vida me grita de todas e tantas distâncias. Eu vou-me embora para além do mar!
Andorinhas voam recolhendo o azul do céu e me chamam.
O vento ma acaricia em volúpia, abraça-me, envolve-me e sussurra: "Segue-me!"
Ondas vão e vêm, espumam-se, dançam, entregam-se ao sol, deitam-se na praia morna e seguem mar afora e suas mãos brancas espumantes prendem-me os sentidos, chamando-me do fundo da minha retina. Lá fora, há vida gerando vida....
Vou-me embora!
- Vida, espera um pouco! Eu já vou!
Mas ela não espera por ninguém...e eu tenho medo de que a noite chegue e a escuridão me rasgue a alma...
Estou cansada de tantos dias iguais! Este desânimo de vida desarrumada, como se, bêbada, houvesse traído os anos vividos e quisesse caminhar, trôpega, noite adentro. E lá, onde amanhece todos os dias, há tudo o que existe aqui em meus sonhos...
- Vida, espera, eu já vou!...
Ai, mas tenho medo de que o vento me arranque a roupa e me deixe nua! Tenho medo que o mar me molhe a carne e que as aves, lugubremente, piem, no ar...Ai, tenho medo de sair para a rua, deslumbrada, e pressentir em mim todos os olhos como se vissem uma desvairada....Temo que as paisagens morram como todas as coisas morrem...Para lá das paredes indormidas, os candeeiros podem se cansar e fechar como pálpebras em sono...
Ai! Um não sei quem vai ficar à espreita, escondido no mistério da noite, e eu que havia até decorado a melodia do seu corpo! Para mais nada isso me serve!
Mas lá fora chove sol...Lá, onde, ao fim e sempre, a esperança diz:"Ele, um dia virá..." E a algazarra de vozes e pássaros corre sob um céu que eu ouço azul...Meninos atrás de bolas coloridas....homens acertando o passo...
- Vida, espera! Já não caminho, não vejo nem ouço...Espera! Vou-me embora contigo...
Mas fico. Ai!...tão infeliz por não ir!...
Lizete Abrahão
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