Noite do doce de goiaba com queijo,
Moacir Rodrigues
Nos idos de 1965, morava eu numa pensão na Rua Pouso Alegre, 1247, rua que liga o Bairro do Horto ao Centro de Belo Horizonte. A pensão era da Dona Maria, uma turca que veio da Cidade de Oliveira e se instalou definitivamente na Capital com o ramo de pensão para estudantes. Ela tinha muita paciência mais era muito chorona. Chorava quando a gente fazia bagunça, chorava quando estava sem dinheiro para sensibilizar os hóspedes para adiantarem algum e assim por diante. No fundo era uma mãezona, só tendo como defeito gostar muito de din-din. Me lembro que um certo dia ela chegou das Oliveiras trazendo um queijo muito bonito e uma tigela de doce de goiaba. É natural que aquele doce seria apenas para o consumo da sua família, que também morava na pensão. Mas nós os estudantes, sempre com pouco dinheiro no bolso, ao ver aquele docinho ficamos com água na boca. O Sebastião Andrade, caboclo do rosto fino e de olhos azuis, pelas suas características tinha o apelido de “quati’, e era um apelido acertado porque ele era o protótipo do aludido animal. Já à tarde daquele dia o Quati estava de olho esperando a Sebastiana, empregada da casa, esquecer a chave na porta da geladeira para mandar rapidamente fazer uma cópia. E não deu outra, Sebastiana abriu a geladeira, fez a limpeza e foi lavar as vasilhas na cozinha e esqueceu a chave na porta. Ai o quati entrou em ação. Foi ao primeiro chaveiro da esquina e veio todo sorridente. Hoje à noite vamos comer doce com queijo. Rapidamente colocou a chave no lugar e os planos estavam hermeticamente cumpridos. Fomos cada um para a sua escola e quando chegamos Dona Maria e seu filho já estavam até roncando. E foi ai que a turma entrou em ação. Subimos para o segundo andar com um prato de doce e com meio queijo, daqueles brancos e bonitos, que só se encontra na Cidade do Serro, nas Minas Gerais. Alguém logo cochichou: “como é bom comer algo roubado de uma mulher miserável como é a dona da nossa pensão” . Foi a maior farra. Chegaram a entornar o doce de goiaba no lençol, já que estávamos comendo sentados nas respectivas camas. Quando foi no outro dia na hora do café, que confusão. Dona Maria abriu a geladeira e viu que só contava com a metade do doce com queijo e caiu no choro. E o pior que veio perguntar a mim, que havia chegado na pensão há pouco tempo, e ainda um interiorano ingênuo, quem era o autor do furto. Eu garanti para ela que não vi ninguém da pensão comendo doce com queijo naquela noite. O Rubinho, uma comunista amigo dileto do Brizola, chegou até a propor aos companheiros durante o café, quando da D. Maria estava lamentando, a fazer uma vaquinha para comprar um novo doce caso o furto não fosse desvendado. O interessante foi que esse quadro gerou comentários por muito tempo. Há poucos dias ainda encontrei o Quati e lembrei a ele da noite do doce com queijo. Como é bom lembrar do passado, principalmente do nosso tempo de estudantes morando em uma casa grande, denominada Pensão do Aconchego…