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Artigos-->A verdade sobre a mentira -- 01/04/2003 - 02:10 ( Andre Luis Aquino) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A mentira tem o rótulo da reprovação social, mas, no dia 1º de abril, ela vai ser "celebrada". Porém, a medicina, a filosofia e a história nos mostram que ela deve ser comemorada, sim, como ferramenta de certas conquistas. Suas pernas curtas ajudaram o homem a dar largos passos nos caminhos da evolução, da autopreservação e de vários campos do conhecimento e da vida social.



O desenvolvimento da habilidade de elaborar discursos inverídicos indica o aprimoramento do aparelho cerebral do homem e marca o momento em que ele obteve a percepção de que os seus pensamentos não poderiam ser "invadidos" pelos outros indivíduos. É o que explica o psiquiatra Marcos Mercadante, 43, pesquisador da Universidade de Yale e professor da USP e do Mackenzie. "Os nossos ancestrais certamente não tinham o potencial de mentir", diz Mercadante. Segundo o médico, os estudos mais recentes indicam que as funções ligadas à construção dos discursos falsos e verdadeiros estão localizadas no lobo frontal do nosso cérebro, que é responsável pelas tarefas mais complexas da nossa mente.



Não é só na linha evolutiva que a mentira se mostra importante para o desenvolvimento dos seres humanos. Ela também ajuda as crianças a iniciarem a criação de um universo significativo próprio, que pode contar com fantasias e seres imaginários. O filósofo e psicanalista Marco Aurélio Velloso, 59, diz que os pais devem relevar as mentiras ditas durante o processo de construção da subjetividade das crianças. "Nessa fase, os pais devem esquecer a etiqueta moral que recai sobre a mentira e perceber que ela é uma ferramenta de aprimoramento psíquico. Ela é utilizada pelos filhos para a criação da sua intimidade", esclarece o psicólogo.



Mas também na vida adulta há situações em que os indivíduos têm o "direito" de mentir, segundo Velloso. Nas questões ligadas à preservação da integridade do mundo psíquico, as pessoas devem se comportar a partir do "princípio do sigilo". A mentira pode ser considerada ética quando acontecem tentativas de ultrapassar as fronteiras do universo íntimo de cada um. Tal concepção filosófica está contemplada na maioria das legislações do Ocidente. Aqui no Brasil, por exemplo, ninguém é obrigado a depor em juízo sobre fatos que possam prejudicar a si mesmo ou a parentes próximos.



A mentira com "boas intenções" também encontra lugar na história da humanidade. Segundo o filósofo Roberto Romano, professor e ex-reitor da Unicamp, os gregos utilizaram largamente o recurso de falsear para desenvolver os alicerces de seu Estado e de sua cultura. Ele cita que a rivalidade entre as famílias organizadas em clãs e a diversidade de povos de variadas origens que chegaram à bacia do Mediterrâneo dificultavam a organização do Estado grego. E explica: "Aí veio Homero com as suas epopéias, que são grandes mentiras cantadas em verso para difundir uma falsa origem comum do povo grego".



Se a mentira ajudou a Grécia a se formar, a se desenvolver e, posteriormente, criar os pilares da cultura ocidental, palmas para ela!



Mas isso não quer dizer que ela era tolerada na Grécia. Pelo contrário: o político que mentisse para o povo poderia ser condenado com a pena de morte. Apenas as mentiras para os inimigos do Estado eram justificáveis.



Já que estamos falando bem da mentira, não podemos deixar de tratar daquelas que criamos para satisfazer a nós mesmos.



O neuroquímico Ivan Izquierdo, 65, pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, reconhecido internacionalmente pelas suas descobertas no campo da memória, explica que esses tipos de mentiras resultam da confusão entre os registros de fatos e emoções no nosso cérebro. Segundo o cientista, na maioria das vezes a nossa mente realiza essa mistura para atenuar a dor de certas lembranças indesejáveis. Mas Izquierdo ressalta que, se isso ocorre com muita frequência, a pessoa tende a não aprender com as situações desagradáveis e, consequentemente, passa a repetir erros do passado.

As neuroses também podem ser consideradas mentiras para nós mesmos, segundo Velloso. Ele explica que "a dor neurótica é uma dor de mentira que nossa mente cria para encobrir uma dor verdadeira". Segundo o psicólogo, as teorias psicanalíticas fundadas na obra de Freud pregam que a cura dos neuróticos passa pela revelação das suas dores psíquicas verdadeiras, que, se encaradas de frente, podem revelar os caminhos para terapias bem sucedidas.

Se as mentiras têm o seu lado bom —e muitas vezes até as criamos inconscientemente para ter algum tipo de alívio psíquico—, vamos comemorar o 1º de abril, de fato. Mas o curioso é que, até na explicação da origem da data, é difícil saber quais historiadores estão falando a verdade. A versão mais difundida e aceita a respeito da escolha do 1º de abril como Dia da Mentira indica que a tradição começou na França. Lá, no início do século 16, a chegada do Ano Novo era comemorada durante uma semana, do dia 25 de março ao dia 1º de abril. Em 1564, o rei Carlos 9º decidiu que o Ano Novo seria celebrado no dia 1º de janeiro, em consonância com a adoção do calendário gregoriano. Parte da população teria resistido à mudança e, assim, tornou-se alvo das mais variadas formas de ridicularização, que ocorriam principalmente no dia 1º de abril.

Para Marcos Silva, 52, do Departamento de História da FFLCH-USP, a difusão do Dia da Mentira resulta de um fenômeno recorrente nas sociedades ocidentais: o da reafirmação de certas linhas de conduta por meio da escolha de datas nas quais os comportamentos indesejáveis são, de certa maneira, tolerados. "No dia 1º de abril, como no Carnaval, a vedação a atos considerados socialmente indesejados é um pouco relaxada. Ideologicamente, isso ocorre para que a repressão nas outras épocas do ano possa ter maior legitimidade", diz Silva.



FLÁVIO FERREIRA

Folha de S.Paulo



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