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Textos_Religiosos-->BENTO XVI, O PATRIARCA DA CONCÓRDIA -- 15/05/2005 - 11:34 (LUIZ ROBERTO TURATTI) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

BENTO XVI, O PATRIARCA DA CONCÓRDIA


Gilberto de Mello Kujawski

A mídia é irritante. Primeiro, apresenta o cardeal Joseph Ratzinger como um tenebroso inquisidor. Depois, alto e bom som, sem a menor cerimônia, passa a indagar se Bento XVI não podia ser um pouquinho menos “conservador”. É incrível a leviandade com que se interpela a Igreja Católica, uma instituição supratemporal, nivelando-a ao mesmo plano das instituições seculares. Conservador ou progressista, direita ou esquerda, reacionário ou de vanguarda são categorias adequadas a um Estado leigo, um partido político, não a uma edificação que paira muito acima das míseras contingências e divisões históricas.

A Igreja, tal como a universidade, constitui-se num poder espiritual. Espírito é razão (logos, em grego), e razão significa compreensão, visão das coisas em seu contexto, em conexão (compreensão). A idéia da conexão está na raiz do conceito de razão e, portanto, do espírito. De onde se segue que “poder espiritual” significa poder de conexão, de vinculação de coisa com coisa, no seu contexto. O poder espiritual é um poder de síntese superior, de equacionamento das diferenças e neutralização das oposições em nome de algo maior. Princípio de concórdia e de consenso. O poder espiritual une o que na ordem temporal está dividido. Os homens, no plano secular, vivem divididos e contrapostos em diferentes raças, classes, grupos, Estados, opiniões e ideologias as mais excludentes entre si. A função do poder espiritual é velar pelo homem e pelo humano acima de todas essas diferenças e oposições, impondo a paz onde existe a guerra, a serenidade onde impera a fúria dos egoísmos e dos particularismos em luta, a concórdia onde lavra a discórdia. Nenhum poder é superior a este. A politização da Igreja (esquerda e/ou direita) somente a enfraqueceria.

Como poderia a Igreja tomar partido por determinada raça, classe social, Estado ou facção política, sem trair sua vocação universalista? Para ela, todas as raças, todas as nações, todas as classes, todos os homens estão igualmente próximos a Deus, sem “opções preferenciais”. E são acolhidos no mesmo espírito de caridade tanto o indigente de todos os bens materiais como o rico atormentado por seu vazio interior, o virtuoso exemplar ou o pecador inveterado, o sábio iluminado ou o pobre de espírito. Sem distinções.

Embora em substância seja a Igreja uma instituição supratemporal e espiritual, ela não é desencarnada, o que seria uma contradição com a pessoa de Jesus Cristo, o Verbo encarnado. A Igreja está no mundo, fisicamente inscrita no espaço e no tempo históricos, enquadrada num Estado, o Vaticano, servida por um clero feito de homens de carne e osso (com suas grandezas e misérias), contando com uma administração e economia próprias. Só que tudo isso não constitui a Igreja, e sim o corpo da Igreja, seu lado visível. Se nem o Vaticano, nem o clero, nem a administração e a economia da Igreja existissem, ainda assim ela estaria presente e atuante, como foi prova o cristianismo primitivo, quanto os instrumentos dos fiéis se reduziam à palavra e aos atos dos apóstolos, pregando a renúncia dos cristãos aos bens deste mundo, à riqueza, ao poder, ao saber e a repulsa ao próprio mundo e à própria pessoa com sua vontade autônoma.

Não deve passar despercebido que o primeiro anúncio do cristianismo marcou a irrupção do extremismo jamais visto antes ou depois, o extremismo escatológico, pregando o fim deste mundo. O cristianismo – escreve Ortega – irrompe em meio ao desespero universal que dominava o Mediterrâneo no século 1.º: o grego desesperava da razão; o romano, do Estado; o judeu, do cumprimento da lei. Daí a série de paradoxos que assinalou a estréia do cristianismo: a ignorância consagrada em lugar do saber; a pobreza, em vez da riqueza; a igualdade sobrepondo-se às diferenças e ao orgulho das nações e das classes. O cristianismo – insiste Ortega – leva o extremismo às últimas conseqüências: o homem e o mundo são essencial nulidade. A única salvação para o homem natural está no sobrenatural. “Só quero saber de Deus e da alma. Nada mais? Nada mais” (Santo Agostinho).

São Paulo ao anunciar a palavra de Cristo como “a loucura da cruz” (Primeira Epístola aos Coríntios), ao proclamar que “as coisas loucas segundo o mundo escolheu-as Deus para confundir os sábios; e as coisas fracas segundo o mundo escolheu-as Deus para confundir os fortes”, etc. (27-28), adota a linguagem frenética do extremismo mais radical e implacável.

EM NOME E A SERVIÇO
DA CONCILIAÇÃO DOS
OPOSTOS É QUE ELE SE
APRESENTA AO MUNDO


Os primeiros cristãos esperavam a iminência do fim do mundo e da volta do Messias para logo, o mais breve possível. Como não veio o fim do mundo, a espera e a esperança dos cristãos passou a estender-se ao longo do tempo, no futuro, motivo pelo qual o cristianismo teve de aceitar e fazer um pacto com todo o intramundano que antes rejeitava: o poder, a economia, o saber, o mundo enfim, quer dizer, o plano secular e temporal. Dessa forma se mitigou o extremismo cristão. A Igreja admitiu o pacto não só com o poder, como com a economia e com a ciência, e na Idade Média promoveu ativamente o crescimento da economia e a edificação da escolástica, esse monumento de inteligência dialética que reserva ainda seus tesouros para a posteridade. A Igreja, entidade supratemporal e espiritual, tem um pé no século e na temporalidade mundana. Estabelece a concórdia entre a ciência e a fé, mas rejeita a cientifização da fé. Elabora a aproximação entre fé e a política, mas que não lhe exijam a politização da fé. Acolhe favoravelmente a economia, mas nem por isso favorece o capitalismo ou o socialismo. A Igreja fez as pazes com a temporalidade e com o século, mas repele frontalmente a secularização, que é o que dela reclamam os que bradam por sua maior “abertura”, “modernização” e, principalmente, sua absorção no “social”. Em nome e a serviço da conciliação dos opostos é que o papa se apresenta ao mundo como o patriarca da concórdia.

Gilberto de Mello Kujawski (gmkuj@terra.com.br)
é escritor e jornalista.



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Artigo publicado no jornal O ESTADO DE S. PAULO,
quinta-feira, 12 de maio de 2005,
página A2, ESPAÇO ABERTO.


LUIZ ROBERTO TURATTI.


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