É bom dividir com alguém, um momento de inspiração...
Tive-o, agora, após atender, ao portão, a uma criança que me pedia:
"Moça, tem alguma roupinha de frio, para mim e para a minha irmãzinha, ainda de colo? Sabe, a gente sente muito frio..."
Eu não tenho, em casa, roupas pequenas...
Dei-lhe alimentos. Mas a imagem
de duas crianças com frio afetou-me a alma... deixando-me triste.
Fiz este poema com lágrimas nos olhos e divido, com você, minha mágoa, por viver em mundo tão perverso, onde a injustiça é gritante...
Um Grito no Silêncio
Vi a criança a chorar,
Na fome de um carinho;
Vi o andarilho a mexer
No lixo do caminho...
Vi a solidão no olhar
Da mulher que chorava,
No infortúnio latejante
Que a dilacerava...
Vi a arma contundente
Na mão do menino,
Que clamava por "chupeta"
Com olhos marejados...
Vi o sol nascer nublado
Na face do adolescente
Que na injustiça da vida
Foi jogado ao relento...
Vi a luz tosca da lua
A encobrir a flor da noite
Que fechava as pétalas
E negava perfumes...
Vi o lamento do verso
A esconder na rima,
A dor de uma tristeza
A querer se soltar...
Vi a antítese profunda
Do amor no dissabor
De lágrimas fulgentes
Em risos disfarçados...
Vi o canto, a luz e o sonho
No vento que passava
E quis retê-los com a mão
Que se fechou vazia...
Vi, no silêncio, um grito
Aflito, entrecortado pelo ar,
Nas brumas de uma ilusão
Que no infinito se perdeu...
Milene Arder
31/5/2001
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